15.12.11

Desafio: A Breve Segunda Vida de Bree Tanner

Introdução

NÃO HÁ DOIS ESCRITORES QUE ABORDEM UM TEMA DA mesma maneira. Todos temos inspirações e motivações distintas, temos nossas razões para manter alguns personagens por perto, enquanto outros desaparecem num amontoado de arquivos abandonados. Pessoalmente, nunca entendi por que alguns dos meus personagens adquirem vida própria com tanta intensidade, mas sempre fico feliz quando isso acontece. Esses personagens são os que requerem menos esforço para serem escritos, e por isso suas histórias, normalmente, são as que vão adiante.
Bree é uma dessas personagens, e é a razão principal para esta história estar agora em suas mãos, e não perdida no labirinto de pastas esquecidas em meu computador. (As outras duas razões se chamam Diego e Fred.) Comecei a pensar em Bree quando estava editando Eclipse. Editando, não escrevendo – enquanto redigia o primeiro rascunho de Eclipse, tinha a visão limitada pela perspectiva em primeira pessoa; qualquer coisa que Bella não pudesse ouvir, sentir, provar ou tocar era irrelevante. Aquela história tratava unicamente a experiência dela.
O passo seguinte no processo de edição era me afastar de Bella e ver como a história fluía. Minha editora, Rebecca Davis, teve grande papel nesse processo. Ela me fazia muitas perguntas sobre coisas que Bella não sabia, e sobre como poderíamos tornar mais claros alguns trechos específicos dessa história. Bree é a única recém-criada que Bella vê, por isso a perspectiva dela foi a que primeiro me atraiu quando passei a considerar o que estaria acontecendo por trás das cenas. Comecei a pensar sobre viver no porão com os recém-criados e sobre caçar no estilo tradicional dos vampiros. Imaginei o mundo como Bree o enxergava. E foi fácil fazer tudo isso. Desde o início Bree esteve muito clara como uma personagem, e alguns de
seus amigos também ganharam vida sem nenhum esforço. É assim que normalmente acontece comigo: eu tento escrever uma breve sinopse do que está acontecendo em algum trecho da história e acabo criando um diálogo. Nesse caso, em vez da sinopse, eu me descobri narrando um dia na vida de Bree.
Ao escrever sobre Bree, coloquei-me pela primeira vez no lugar de um narrador que era um vampiro “de verdade” – um caçador, um monstro. Tive de olhar para nós, humanos, através dos olhos dela, vermelhos: de repente éramos patéticos e fracos, presas fáceis, sem nenhuma importância além de ser um lanchinho sa-boroso. Senti como era estar sozinha entre inimigos, sempre alerta, sem ter certeza de nada, exceto de que sua vida está em perigo. Mergulhei em um tipo inteiramente diferente de vampiros: os recém-criados. A vida do recém-criado era algo que eu ainda não havia explorado – nem mesmo quando Bella finalmente se tornou uma vampira. Bella jamais foi uma recém-criada como Bree. A experiência foi fascinante, sombria e, em última análise, trágica. Quanto mais eu me aproximava do fim inevitável, mais queria ter terminado Eclipse de um jeito um pouco diferente.
Fico imaginando o que você sentirá por Bree. Ela é uma personagem muito pequena, aparentemente trivial em Eclipse. Vive apenas cinco minutos do ponto de vista de Bella. No entanto, sua história é muito importante para a compreensão do romance. Quando você leu a cena de Eclipse em que Bella fixava o olhar em Bree, analisando-a como um possível futuro, em algum momento pensou no que teria levado Bree até ali? Quando Bree encarou Bella e os Cullen, você pensou em como ela os via? Provavelmente não. E, mesmo que tenha pensado, aposto que não descobriu os segredos dela.
Espero que acabe gostando de Bree tanto quanto eu, embora esse seja um desejo meio cruel. Você já sabe: a história não acaba bem para ela. Mas, pelo menos, você vai conhecer toda a trama. E vai ver que nenhum ponto de vista jamais será completamente óbvio.
Divirta-se,
Stephenie.

Capitulo 1 




A MANCHETE DO JORNAL PARECIA GRITAR DO outro lado do vidro da pequena máquina de venda: SEATTLE SITIADA — MORTES AUMENTAM NOVAMENTE. Eu ainda não havia visto essa. Algum jornaleiro devia ter reabastecido a máquina pouco antes. Sorte dele que não estava por perto agora.
Maravilha. Riley ia ter um ataque. Eu faria de tudo para não estar presente quando ele visse o jornal. Ele que arrancasse o braço de outra pessoa.
Fiquei escondida na sombra de um velho prédio de três andares, tentando não ser notada, enquanto esperava que alguém tomasse uma decisão. Não queria encarar ninguém, por isso olhei para a parede ao meu lado. O piso térreo do edifício tinha abrigado uma loja de discos que fechara havia muito tempo; as janelas, quebradas pelo mau tempo ou pela violência das ruas, estavam tampadas por tapumes de madeira. Nos andares de cima havia apartamentos — vazios, acho, já que não se ouvia o som normal de humanos dormindo. Eu não estava surpresa, pois o lugar parecia pronto para desmoronar com um vento um pouco mais forte. Os prédios do outro lado da rua escura e estreita também eram velhos e destruídos.
O cenário normal de uma noite pelas ruas da cidade.
Eu não queria falar e chamar atenção, mas seria bom se alguém decidisse alguma coisa. Estava com muita sede, e não me importava muito se iríamos para a direita, para a esquerda ou por cima do telhado. Só queria encontrar uns azarados quaisquer, que então não teriam nem tempo de pensar lugar errado, hora errada.
Infelizmente, naquela noite Riley me mandara sair com dois dos vampiros mais inúteis que existiam. Ele nunca parecia se importar com quem mandava nos grupos de caça. Especialmente porque mandar as pessoas erradas em um grupo significava que menos gente voltaria para casa. Naquela noite ele havia me colocado com Kevin e outro garoto louro cujo nome eu não sabia. Os dois eram da gangue de Raoul, por isso nem preciso dizer que eram estúpidos. E perigosos. Mas, naquele momento, mais estúpidos que qualquer outra coisa.
Em vez de decidir em que direção caçaríamos, eles estavam em meio a uma discussão sobre qual de seus super-heróis preferidos seria melhor caçador. O louro sem nome demonstrava sua preferência pelo Homem-Aranha escalando a parede de tijolos do beco enquanto cantarolava a música tema do desenho animado. Eu suspirei frustrada. Quando íamos caçar?
Um movimento sutil à esquerda chamou minha atenção. Era Diego, o outro membro do grupo de caça formado por Riley. Eu não sabia muito sobre ele, somente que era mais velho que a maioria dos outros. E era o braço direito de Riley. Isso não me fazia gostar dele muito mais que dos outros idiotas.
Diego estava me olhando. Devia ter ouvido o suspiro. Eu desviei o olhar.
Manter a cabeça baixa e a boca fechada — esse era o caminho para continuar vivo na turma de Riley.
— O Homem-Aranha era um fracassado chorão — Kevin disse para o garoto louro. — Vou mostrar como um super-herói de verdade caça. — Ele sorriu. Seus dentes brilharam sob a luz de um poste.
Kevin saltou no meio da rua quando os faróis de um carro iluminaram o calçamento esburacado com um brilho branco-azulado. Ele flexionou os braços para trás, depois os uniu lentamente como um lutador profissional se exibindo. O carro se aproximava, provavelmente esperando que ele saísse do caminho como faria uma pessoa normal. Como ele deveria fazer.
— Hulk com raiva! — Kevin gritou. — Hulk... ESMAGA!
Ele saltou para a frente e foi de encontro ao carro antes que o motorista pudesse frear, agarrou o para-choque dianteiro, girou o veículo sobre a cabeça e jogou-o no chão com as rodas para cima, provocando um estrondo de metal se retorcendo e vidro quebrando. Lá dentro, uma mulher começou a gritar.
— Cara... — Diego disse balançando a cabeça. Ele era bonito, com cabelos escuros e encaracolados, olhos grandes e lábios carnudos, mas quem não era bonito ali? Até Kevin e os outros idiotas da gangue de Raoul eram bonitos. — Kevin, não devíamos chamar atenção. Riley disse...
— Riley disse! — Kevin o imitou, afinando a voz. — Não seja medroso, Diego. Riley não está aqui.
Kevin saltou sobre o Honda capotado e deu um soco na janela do lado do motorista, que de alguma forma permanecera intacta até aquele momento. Ele enfiou a mão entre os vidros quebrados e tateou o air bag que já murchava, tentando encontrar o motorista.
Eu me virei de costas e prendi a respiração, fazendo um grande esforço para não perder a capacidade de pensar.
Não podia ver Kevin se alimentando. Estava com sede demais para isso e não queria brigar com ele. Eu não precisava entrar na lista de alvos da gangue de Raoul.
O garoto louro não teve a mesma preocupação. Ele saltou da parede e aterrissou bem atrás de mim. Ouvi quando ele e Kevin rosnaram um para o outro, depois escutei um som como o de tecido molhado sendo rasgado, e os gritos da mulher cessaram. Pro-vavelmente, eles a haviam partido ao meio.
Tentei não pensar nisso, mas podia sentir o calor e ouvir o gotejar atrás de mim, e isso fazia minha garganta arder insuportavelmente, embora eu não estivesse respirando.
— Vou dar o fora daqui — ouvi Diego resmungar.
Ele entrou por um vão entre os prédios escuros, e eu fui logo atrás. Se não saísse dali bem depressa, ia acabar brigando com os encrenqueiros da gangue de Raoul por um corpo que provavelmente não tinha muito mais sangue àquela altura. E então, talvez eu não voltasse para casa.
Ah, mas minha garganta ardia! Rangi os dentes para reprimir um grito de dor.
Diego seguia rapidamente por um beco cheio de latas de lixo e, quando chegou ao fundo, subiu pela parede. Enfiei os dedos nas brechas entre os tijolos e subi atrás dele.
No alto, Diego decolou, saltando com leveza de um telhado a outro na direção de luzes indistintas, fugindo daqueles ruídos. Eu ia atrás dele. Era mais nova e portanto mais forte — era uma boa coisa que nós, os mais jovens, fôssemos mais fortes, ou não teríamos sobrevivido à primeira semana na casa de Riley.
Eu poderia ter ultrapassado Diego com facilidade, mas queria ver para onde ele ia, não queria que ele ficasse atrás de mim.
Diego percorreu quilômetros sem parar; estávamos quase nas docas industriais. Eu podia ouvi-lo resmungando sozinho.
— Idiotas! Como se Riley não nos desse instruções por um bom motivo. Autopreservação, por exemplo. É preciso o mínimo de bom senso! Seria pedir demais?
— Ei! — eu chamei. — Vamos caçar logo? Minha garganta está pegando fogo.
Diego aterrissou sobre o amplo telhado de uma fábrica e se virou. Eu saltei alguns metros para trás, em guarda, mas ele não fez nenhum movimento agressivo na minha direção.
— Vamos — ele respondeu. — Só queria me afastar dos lunáticos.
Ele sorriu, todo simpático, e eu o encarei.
Diego não era como os outros. Era meio... calmo, acho que era essa a palavra. Normal. Não agora, mas antes. Seus olhos eram vermelhos, mais escuros que os meus. Ele devia existir daquele jeito havia um bom tempo, como eu ouvira dizer.
Da rua lá embaixo vinham os sons da noite em uma área pobre de Seattle. Poucos carros, o som pesado do baixo nas músicas, algumas pessoas caminhando com passos nervosos, rápidos, um bêbado cantando desafinado ao longe.
— Você é a Bree, não é? — perguntou Diego. — Uma das recém-criadas.
Eu não gostava disso. Recém-criada. Que fosse.
— Sim, eu sou a Bree. Mas não cheguei com o último grupo. Tenho quase três meses.
— É bem rápida para quem só tem três meses — ele disse. — Poucos teriam conseguido sair da cena do acidente desse jeito. — Ele falou como um elogio, como se estivesse realmente impressionado.
— Eu não queria me misturar àqueles malucos do Raoul.
Ele assentiu.
— Amém, irmã. Esse tipo só arruma encrenca.
Esquisito. Diego era esquisito. O jeito como ele falava, como uma pessoa conversando normalmente. Sem hostilidade, sem desconfiança. Como se não estivesse pensando em quanto seria fácil ou difícil me matar naquele exato momento. Estava apenas conversando comigo.
— Há quanto tempo está com Riley? — perguntei, curiosa.
— Quase onze meses.
— Uau! Você é mais velho que Raoul!
Diego revirou os olhos e cuspiu veneno de cima do prédio.
— Sim, eu lembro quando Riley chegou com aquele traste. Depois disso, tudo só foi ficando muito pior.
Fiquei quieta por um momento, imaginando se ele considerava qualquer um mais jovem que ele um traste. Não que eu me importasse. Não me incomodava mais com o que os outros pensavam. Não precisava me incomodar. Como Riley dizia, agora eu era uma deusa. Mais forte, mais rápida, melhor. Ninguém mais importava.
Diego assobiou baixo.
— Lá vamos nós. Só é preciso um pouco de inteligência e paciência.
Ele apontou para baixo, para o outro lado da rua.
Meio escondido pelas sombras de uma viela escura, um homem xingava e esbofeteava uma mulher, enquanto outra assistia à cena em silêncio. Pelas roupas, deduzi que eram um cafetão e duas de suas prostitutas.
Era isso que Riley nos mandava fazer. Caçar a escória. Escolher os humanos de quem ninguém sentiria falta, aqueles que não estavam voltando para casa e para a família, os que não gerariam ocorrências de desaparecimento.
Era o mesmo critério pelo qual ele nos escolhera. Refeições e deuses, ambos buscados da escória.
Diferentemente de muitos outros, eu ainda fazia o que Riley mandava. Não porque gostasse dele. Esse sentimento desaparecera havia muito tempo. Era porque o que ele dizia parecia certo. Que sentido faria chamar atenção para o fato de que um bando de novos vampiros dominava Seattle e fazia dela seu território de caça? Como isso poderia nos ajudar?
Eu nem mesmo acreditava em vampiros antes de me tornar uma. Se o restante do mundo não acreditava em vampiros, quer dizer que os outros da espécie deviam estar caçando com bom senso, como Riley nos dizia para fazer. E eles provavelmente tinham uma boa razão para isso.
E, como Diego dissera, caçar com bom senso só exige um pouco de inteligência e paciência.
É claro que todos nós cometíamos muitos deslizes; Riley lia os jornais, resmungava e gritava conosco e quebrava coisas — como o videogame favorito de Raoul. Então, Raoul ficava furioso e descontava a raiva queimando um de nós. Riley ficava ainda mais furioso e fazia outra revista para confiscar todos os isqueiros e fósforos. Algumas rodadas mais, e Riley trazia para casa outro punhado de garotos vampirizados, gente da escória que ele colocava no lugar daqueles que perdera. Era um ciclo infinito.
Diego puxou o ar pelo nariz — uma inspiração profunda, longa — e eu vi a postura dele mudar. Ele se abaixou no telhado, uma das mãos agarrada à beirada. Toda aquela estranha simpatia havia desaparecido — ele agora era um predador.
Isso era algo que eu reconhecia, algo com que me sentia confortável. Porque isso eu entendia.
Desliguei meu cérebro. Era hora de caçar. Respirei fundo, inalando o odor do sangue no corpo das pessoas lá embaixo. Não eram os únicos humanos por perto, mas eram os mais próximos. Quem você caça é o tipo de decisão que se deve tomar antes de farejar a presa. Agora já era tarde demais para fazer qualquer escolha.
Diego saltou do telhado, fora do campo de visão das vítimas. Sua aterrissagem foi silenciosa demais para chamar a atenção da prostituta chorona, da prostituta distraída ou do cafetão zangado.
Um grunhido baixo escapou por entre meus dentes. Meu. O sangue era meu. O fogo ardia em minha garganta e eu não conseguia pensar em mais nada.
Saltei do telhado, atravessei a rua e aterrissei ao lado da loura que chorava. Podia sentir Diego atrás de mim, bem perto, por isso rosnei para ele, advertindo-o, enquanto agarrava a garota de surpresa pelo cabelo. Eu a puxei para a parede do beco e encostei minhas costas nos tijolos. Uma posição defensiva, só por precaução.
Depois esqueci completamente Diego, porque podia sentir o calor sob a pele da mulher, ouvir sua pulsação latejando bem perto da superfície.

Ela abriu a boca para gritar, mas meus dentes dilaceraram sua traqueia antes que algum som pudesse ser emitido. Ouvi o borbulhar de ar e sangue invadindo seus pulmões e os gemidos baixos que eu não conseguia controlar.
O sangue era morno e doce. Aplacava o fogo na minha garganta, acalmava o vazio corrosivo e persistente no meu estômago. Eu sugava e engolia, vagamente consciente de qualquer outra coisa.
Ouvi os mesmos sons vindos de Diego — ele escolhera o homem. A outra mulher estava inconsciente no chão. Nenhum deles tinha feito qualquer barulho. Diego era bom.
O problema com os humanos era que nunca havia neles sangue o bastante. Tive a impressão de que em poucos segundos a garota estava seca. Sacudi seu corpo flácido num gesto frustrado. Minha garganta já começava a arder novamente.
Joguei o corpo vazio no chão e me abaixei encostada na parede, imaginando se conseguiria agarrar a mulher inconsciente e me alimentar dela antes que Diego me alcançasse.
Ele já havia terminado com o homem, e me olhou com uma expressão que eu só poderia descrever como... solidária. Mas eu podia estar mortalmente errada. Não me lembrava de ninguém me tratando com solidariedade antes, por isso não tinha muita certeza de como ela se manifestava.
— Vá em frente — ele disse, indicando a mulher caída no chão.
— Está brincando?
— Não, estou bem, por enquanto. Temos tempo para caçar mais um pouco hoje à noite.
Estudando-o atentamente para tentar identificar algum sinal de trapaça, eu me atirei sobre a mulher. Diego não tentou me impedir. Ele virou um pouco de lado e olhou para o céu escuro.
Enterrei os dentes no pescoço dela, mantendo os olhos nele. Era ainda melhor que a outra. Seu sangue era inteiramente limpo. O sangue da garota loura tinha um sabor amargo que sugeria o uso de drogas — eu estava tão acostumada a isso que quase nem notava. Era raro conseguir sangue limpo, porque eu seguia as regras sobre caçar a escória. Diego parecia seguir as regras também. Ele certamente farejara a boa presa de que abrira mão.
Por que tinha feito isso?
Quando o segundo corpo ficou vazio, senti minha garganta melhor. Havia muito sangue no meu organismo. Provavelmente, eu não sentiria o ardor por alguns dias.
Diego ainda esperava, assobiando baixo por entre os dentes. Quando larguei o corpo no chão com um baque, ele me olhou e sorriu.
— Obrigada — eu disse.
Ele moveu a cabeça em sentido afirmativo.
— Você parecia precisar mais que eu. Ainda lembro como é difícil no começo.
— Fica mais fácil depois?
Ele encolheu os ombros.
— Em alguns aspectos.
Nós nos entreolhamos por um segundo.
— Por que não jogamos esses corpos na enseada? — ele sugeriu.
Eu me abaixei, peguei o corpo da loura e o joguei sobre o ombro. Ia pegar a outra também, mas Diego foi mais rápido que eu, e já carregava também o corpo do cafetão.
— Peguei — ele disse.
Eu o segui parede acima no beco, e depois saltamos entre as vigas que sustentavam a via expressa. A luz dos faróis dos carros não nos atingia. Pensei em como as pessoas eram estúpidas, em como não enxergavam, e me senti feliz por não ser um dos ignorantes.
Escondidos na escuridão, seguimos nosso caminho até um píer vazio, fechado àquela hora da noite. Diego não hesitou ao chegar à extremidade da passarela de concreto, apenas saltou e desapareceu na água, levando sua carga. Eu o segui.
Ele nadava com a velocidade e a agilidade de um tubarão, mergulhando mais fundo e mais longe na escuridão silenciosa. De repente, ele parou ao encontrar o que estava procurando — uma larga plataforma coberta de lodo no fundo do oceano, com estrelas-do-mar e lixo presos nas laterais. Devíamos estar a mais de trinta metros de profundidade; para um humano, a escuridão ali seria completa. Diego soltou os corpos. Eles oscilavam suavemente na correnteza enquanto ele enfiava as mãos na areia lamacenta na base da plataforma de pedra. Depois de um segundo, encontrou uma alça
e puxou a plataforma para cima. O peso da pedra o fez submergir até a cintura na areia escura do fundo do mar.
Ele olhou para cima e fez um gesto com a cabeça.
Eu nadei até ele, levando os corpos com uma das mãos. Empurrei a loura para o buraco sob a pedra, depois empurrei a outra mulher e, finalmente, o cafetão. Pisei os corpos sem muita violência, só para ter certeza de que estavam dentro do buraco, e então saí do caminho. Diego deixou cair a plataforma. Ela balançou um pouco, se ajustando à nova base irregular. Em seguida, ele sacudiu os pés até se livrar do lodo, nadou para cima da pedra e a empurrou para o fundo, achatando tudo o que estava embaixo dela.
Diego se afastou alguns metros para analisar o resultado.
Perfeito, eu movi os lábios. Aqueles três corpos jamais voltariam à superfície. Riley jamais ouviria uma história sobre eles no noticiário.
Ele sorriu e estendeu a mão.
Levei um minuto para entender que ele queria que eu batesse em sua mão aberta. Hesitante, nadei até chegar mais perto dele e aceitei o cumprimento, depois me afastei, abrindo uma boa distância entre nós.
Diego ficou com uma expressão estranha no rosto e, depois de um segundo, subiu para a superfície como uma bala.
Eu o segui com a mesma rapidez, confusa. Quando emergi, ele estava quase sufocando de tanto rir.
— O que foi?
Ele não conseguiu responder de imediato. Finalmente, entre uma gargalhada e outra, disse:
— Foi o pior cumprimento que já vi!
Eu funguei, irritada.
— Não dava para saber se você não ia arrancar meu braço ou coisa parecida.
Diego bufou.
— Eu não faria isso.
— Qualquer outro faria — retruquei.
— É verdade — concordou ele, repentinamente sério. — Pronta para caçar mais um pouco?
— Precisa perguntar?
Saímos da água sob uma ponte e tivemos a sorte de encontrar na mesma hora dois sem-teto dormindo em sacos de dormir imundos sobre um colchão de jornais velhos. Nenhum dos dois acordou. Ambos tinham no sangue o sabor azedo do álcool, mas isso era melhor que nada. Nós também os enterramos na enseada, sob outra pedra.
— Bem, estarei saciado por algumas semanas — Diego anunciou quando saímos da água novamente e ficamos parados em um velho píer vazio, pingando.
Eu suspirei.
— Acho que essa parte é mais fácil, não é? Eu vou sentir o ardor novamente em dois dias. E Riley provavelmente vai me mandar sair de novo com mais mutantes do Raoul.
— Posso sair com você, se quiser. Riley me deixa fazer quase tudo o que quero.
Pensei na oferta, desconfiada por um segundo. Mas Diego realmente não parecia ser como os outros. Eu me sentia diferente com ele. Como se não precisasse me preocupar tanto em proteger minha retaguarda.
— Seria bom — admiti.
Foi estranho dizer isso. Como se a declaração de algum modo me tornasse muito vulnerável ou coisa parecida. Mas Diego respondeu apenas “legal” e sorriu para mim.
— Por que Riley permite que você tenha tanta liberdade? — perguntei, especulando sobre que tipo de relacionamento havia entre eles.
Quanto mais tempo passava com Diego, menos conseguia imaginá-lo íntimo de Riley. Diego era tão... simpático. Não era nada parecido com Riley. Mas podia ser algo do tipo “os opostos se atraem”.
— Riley sabe que pode confiar em mim para limpar minha sujeira. Falando nisso, você se importa de irmos resolver uma coisinha rápida?
Eu estava começando a me divertir com aquele garoto estranho. E estava curiosa sobre ele. Queria ver o que ia fazer.
— É claro que não — eu disse.
Ele correu pelo píer para a estrada paralela ao litoral. Eu fui atrás dele. Percebi o cheiro de alguns humanos, mas sabia que estava
muito escuro e que estávamos longe demais para que eles nos vissem.
Diego preferiu se deslocar por cima dos telhados novamente. Depois de alguns saltos, reconheci meu cheiro e o dele. Ele refazia o caminho que havíamos percorrido antes.
Voltamos à primeira rua escura onde Kevin e o outro garoto haviam cometido a estupidez com o carro.
— É inacreditável — Diego grunhiu.
Kevin e companhia haviam partido pouco antes, aparentemente. Dois outros carros estavam empilhados sobre o primeiro e um punhado de espectadores e transeuntes fora adicionado à contagem dos corpos. Os policiais ainda não haviam chegado, porque qualquer pessoa que pudesse denunciar a carnificina já estava morta.
— Ajude-me a dar um jeito nisso aqui — Diego pediu.
— Tudo bem.
Descemos do telhado, e Diego arrumou rapidamente a pilha de carros de outro jeito, criando a impressão de que haviam colidido, em vez de ter sido empilhados por um bebê gigante fazendo birra. Peguei os dois corpos secos e sem vida abandonados no meio da rua e os enfiei no ponto onde, aparentemente, ocorrera a colisão.
— Acidente terrível — comentei.
Diego sorriu com sarcasmo. Usando um isqueiro que tirou de um saco plástico em seu bolso, ele começou a atear fogo às roupas das vítimas. Eu peguei meu isqueiro — Riley os devolvia quando saíamos para caçar; e Kevin deveria ter usado o dele — e me dediquei a incendiar o estofamento. Os corpos, secos e contaminados pelo veneno inflamável, queimaram rapidamente.
— Afaste-se — Diego me preveniu, e eu vi que ele havia removido a tampa do tanque de combustível do primeiro automóvel.
Pulei para a parede mais próxima e me empoleirei para observar. Ele recuou alguns passos e riscou um fósforo. Com pontaria perfeita, arremessou-o no pequeno buraco. No mesmo instante, saltou e aterrissou ao meu lado.
O estrondo da explosão sacudiu a rua inteira. Luzes começaram a se acender a partir da esquina.
— Bom trabalho — comentei.
— Obrigado pela ajuda. Vamos voltar para a casa do Riley?
Eu franzi a testa. A casa de Riley era o último lugar onde eu gostaria de passar o resto da noite. Não queria ver o rosto estúpido de Raoul nem ouvir os gritos e as brigas constantes. Não queria ter de ranger os dentes e me esconder atrás do Freaky Fred para as pessoas me deixarem em paz. E eu não tinha mais nenhum livro.
— Temos algum tempo — Diego comentou, lendo minha expressão. — Não precisamos voltar agora.
— Queria ter alguma coisa para ler.
— E eu queria ter novas músicas. — Ele sorriu. — Vamos fazer compras.
Nós nos movemos rapidamente pela cidade — outra vez por cima de telhados e depois correndo pelas ruas escuras, quando os prédios ficaram muito distantes uns dos outros — até uma região menos inóspita. Não demoramos muito a encontrar uma área comercial com uma loja de uma grande cadeia de livrarias. Arrebentei a tranca do acesso pelo telhado e nós entramos. A loja estava vazia, e só havia alarmes nas janelas e nas portas. Fui diretamente para o corredor H, enquanto Diego ia para a seção musical no fundo da loja. Eu havia terminado de ler Hale. Peguei os doze livros seguintes na prateleira; isso me ocuparia por uns dois dias.
Olhei em volta procurando por Diego, e o vi sentado em uma das mesas do café, estudando as capas de seus novos CDs. Depois de um instante, fui me juntar a ele.
Aquilo me causava uma sensação estranha, porque era familiar de um jeito desconfortável, assustador. Eu havia me sentado daquele jeito antes, diante de alguém, com uma mesa entre nós. Havia conversado com alguém de modo espontâneo, pensando em coisas que não eram vida e morte ou sede e sangue. Mas isso tinha sido em outro tempo, em uma vida diferente, turva.
Na última vez que me sentara à mesa com alguém, essa pessoa foi Riley. Era difícil lembrar aquela noite, por várias razões.
— Então, como nunca notei você pela casa? — Diego perguntou de repente. — Onde se esconde?
Eu ri e fiz uma careta irônica ao mesmo tempo.
— Normalmente fico atrás do Freaky Fred, onde ele estiver.
Ele torceu o nariz.
— Sério? Como você aguenta?
— A gente se acostuma. Estar atrás dele não é tão ruim quanto na frente. De qualquer forma, foi o melhor esconderijo que encontrei. Ninguém chega perto de Fred.
Diego balançou a cabeça, concordando comigo, ainda com cara de nojo.
— É verdade. É um jeito de continuar vivo.
Eu encolhi os ombros.
— Sabia que Fred é um dos preferidos de Riley? — Diego perguntou.
— É mesmo? Como?
Ninguém suportava o Freaky Fred. Eu era a única que havia tentado, e só por uma questão de autopreservação.
Diego se debruçou sobre a mesa, aproximando-se de mim com ar de conspirador. Eu já estava tão acostumada com seu jeito estranho que nem me abalei.
— Eu o ouvi falando ao telefone com ela.
Senti um arrepio.
— Eu sei — ele continuou, voltando ao tom solidário. É claro, não era estranho que pudéssemos ser solidários uns com os outros quando se tratava dela.
— Foi há alguns meses. Riley falava sobre Fred e estava todo animado. Pelo que consegui entender do que ele dizia, acho que alguns vampiros são capazes de fazer coisas. Coisas além do que os vampiros normais podem fazer. E isso é bom, é algo que ela está procurando. Vampiros com habilidadezzz.
Ele enfatizou o som de “z”, para que eu entendesse como ele soletrava a palavra.
— Que tipo de habilidades?
— Todo tipo de coisa, pelo que entendi. Ler pensamentos, rastrear pessoas e até ver o futuro.
— Mentira!
— Estou falando sério. Acho que Fred repele as pessoas de maneira proposital. Tudo está só na nossa cabeça. Ele nos faz sentir repulsa pela ideia de chegar perto dele.
Eu franzi a testa.
— E como isso pode ser bom?
— Serve para mantê-lo vivo, não serve? E parece que mantém você viva também.
Eu concordei com a cabeça.
— É, acho que sim. Ele falou sobre mais alguém?
Tentei pensar em qualquer coisa estranha que tivesse visto ou ouvido, mas Fred era único. Os palhaços na rua aquela noite, fingindo ser super-heróis, não fizeram nada que qualquer um de nós não pudesse fazer.
— Ele falou sobre Raoul — contou Diego, os cantos da boca curvados para baixo.
— E que habilidade ele tem? Superestupidez?
Diego bufou.
— Sim, definitivamente. Mas Riley acredita que ele tem algum tipo de magnetismo; as pessoas são atraídas por ele e o seguem.
— Só as mentalmente perturbadas.
— É, Riley falou nisso. Não parecia funcionar com os — ele fez uma imitação muito boa da voz de Riley — garotos mais domesticados.
— Domesticados?
— Deduzi que ele se referia a pessoas como nós, que conseguem pensar de vez em quando.
Não gostei de ser chamada de domesticada. Não parecia algo positivo quando era colocado dessa maneira. O modo como Diego colocava aquilo fazia soar melhor.
— Era como se houvesse uma razão para Riley precisar de Raoul na liderança. Algo que vem por aí, eu acho.
Um arrepio estranho percorreu minhas costas quando ele disse isso, e eu me sentei mais ereta.
— Como o quê?
— Nunca pensou sobre por que Riley está sempre atrás de nós com essa história de sermos discretos?
Eu hesitei por meio segundo antes de responder. Essa não era a linha de questionamento que eu teria esperado do braço direito de Riley. Era quase como se ele estivesse questionando o que Riley nos dissera. A menos que Diego estivesse fazendo essas perguntas por Riley, como um espião. Tentando descobrir o que os “garotos” pensavam sobre ele. Mas não parecia isso. Os olhos vermelhos e escuros de Diego eram francos, confidentes. E por que Riley iria se importar? Talvez o que os outros diziam sobre Diego não se baseasse em nada verdadeiro. Era só fofoca.
Respondi com sinceridade.
— Na verdade, eu estava pensando exatamente nisso.
— Não somos os únicos vampiros no mundo — Diego declarou em tom solene.
— Eu sei. Às vezes Riley diz isso. Mas não pode haver tantos assim. Quer dizer, não teríamos notado antes?
Diego fez que sim com a cabeça.
— É o que eu penso também. E por isso é tão esquisito que ela continue criando mais de nós, não acha?
Eu franzi a testa.
— Hum. Porque não é como se Riley realmente gostasse de nós ou algo desse tipo... — Fiz outra pausa, esperando para ver se ele ia me contradizer. Diego não discordou. Ele só esperou, balançando levemente a cabeça para demonstrar que concordava, e eu continuei: — E ela nem se apresentou. Você tem razão. Eu não tinha pensado por esse lado. Quer dizer, eu nem tinha pensado nisso. Mas, afinal, eles nos querem para quê?
Diego levantou uma sobrancelha.
— Quer ouvir o que eu acho?
Eu movi a cabeça positivamente, com ar cansado, tenso. Mas minha ansiedade não tinha nada a ver com ele.
— Como eu disse, algo está por vir. Acho que ela quer proteção e incumbiu Riley de criar a linha de frente.
Pensei nisso e senti outro arrepio nas costas.
— Por que eles não nos contariam? Não devíamos estar, sei lá, de prontidão ou algo parecido?
— Isso faria sentido — Diego concordou.
Nós nos olhamos em silêncio por segundos que pareceram muito longos. Eu não tinha mais nada a acrescentar, e ele, aparentemente, também não.
Finalmente, eu sorri e disse:
— Não sei se acredito nisso, nessa parte sobre Raoul ser bom em alguma coisa.
Diego riu.
— É difícil rebater esse argumento. — Em seguida ele olhou pelas janelas para a madrugada escura lá fora. — Nosso tempo está acabando. É melhor voltarmos ou vamos virar torrada.

— Ashes, ashes, we all fall down — eu cantei baixinho enquanto me levantava e pegava minha pilha de livros.
Diego riu.
Fizemos mais uma rápida parada no caminho — invadimos a loja vizinha, também vazia, e apanhamos sacos plásticos e duas mochilas. Embrulhei os livros em dois sacos. Páginas manchadas e enrugadas pela umidade me aborrecem.
Voltamos à enseada, percorrendo quase todo o caminho sobre os telhados. O céu começava a se tingir de um cinza mais claro no leste. Entramos na água bem debaixo do nariz de dois vigias distraídos, perto da balsa — para sorte deles eu estava satisfeita, senão a proximidade teria sido demais para o meu autocontrole —, e depois apostamos corrida pela água lamacenta de volta à casa de Riley.
No início eu não sabia que era uma corrida. Só nadava depressa porque o céu ia ficando mais e mais claro. Eu não costumava desafiar o tempo dessa maneira. Para ser bem honesta comigo mesma, eu me transformara numa perfeita vampira nerd. Seguia as regras, não causava problemas, convivia com os garotos menos populares do grupo e sempre voltava cedo para casa.
Mas então Diego realmente acelerou. Ele se adiantou alguns metros, olhou para trás sorrindo e disse:
— O que foi, não consegue me acompanhar?
E voltou a nadar.
Isso era algo que eu não ia aturar. Não conseguia lembrar se era competitiva antes — tudo parecia muito distante e sem importância —, mas talvez fosse, porque reagi imediatamente ao desafio. Diego era um bom nadador, mas eu era mais forte, especialmente depois de me alimentar.
Até mais, movi a boca ao passar por ele, mas não sabia ao certo se ele vira.
Eu o perdi de vista na água escura e não desperdicei tempo olhando para trás para checar quanto tinha de vantagem. Apenas nadei até alcançar a extremidade da ilha onde ficava a nossa casa mais recente. A anterior fora uma grande cabana no meio do nada em Snowville, na encosta de uma montanha qualquer das Cascades. Como a última, a casa atual era isolada, tinha um grande porão, e os proprietários haviam morrido recentemente.
Nadei até bem perto da praia de cascalho e enterrei os dedos na areia grossa para me levantar. Ouvi Diego saindo da água quando eu agarrava o tronco inclinado de um pinheiro e me balançava, tomando impulso para chegar ao alto do penhasco.
Duas coisas chamaram minha atenção quando meus pés aterrissaram suavemente. Uma: estava claro. Duas: a casa havia sumido.
Bem, não inteiramente. Parte dela ainda estava visível, mas o espaço antes ocupado pela casa estava vazio. O telhado havia desabado num emaranhado de madeira preta destroçada e agora parecia mais baixo do que o que antes fora a porta.
O sol se erguia depressa. Os pinheiros negros começavam a se tingir de verde. Logo as pontas mais claras se destacariam na penumbra, e nesse momento eu estaria morta.
Realmente morta, ou o que quer que fosse. Essa segunda vida de super-heroína sedenta terminaria numa súbita explosão de chamas. E eu só podia pensar que a explosão seria muito, muito dolorosa.
Essa não era a primeira vez que eu via nossa casa destruída — com todas as brigas e o fogo no porão, algumas delas haviam durado apenas poucas semanas —, mas era a primeira vez que eu chegava à cena da destruição com os primeiros raios pálidos de sol surgindo ameaçadores.
Engoli uma exclamação de surpresa quando Diego aterrissou ao meu lado.
— Talvez se corrermos para baixo dos escombros do telhado — sussurrei. — Seria suficientemente seguro ou...?
— Não entre em pânico, Bree — Diego disse com a voz muito calma. — Eu conheço um lugar. Vamos.
Ele saltou de costas e com muita elegância da beirada do penhasco.
Eu não acreditava que a água fosse suficiente para bloquear o sol. Será que submersos não queimaríamos? O plano me parecia bem ruim.
Porém, em vez de ir me esconder sob os escombros da casa, mergulhei do penhasco atrás dele. Eu não sabia se meu raciocínio estava certo, e essa era uma sensação estranha. Normalmente, eu fazia sempre a mesma coisa — seguia a rotina, agia como era sensato.
Alcancei Diego na água. Ele apostava corrida novamente, mas dessa vez não era uma bobagem. Ele corria contra o sol.
Diego contornou um ponto da pequena ilha e depois mergulhou fundo. Fiquei surpresa por ele não bater no chão rochoso da enseada, e ainda mais surpresa quando senti uma corrente de água mais quente fluindo do que eu pensara ser só um afloramento de pedra.
Diego fora esperto ao escolher um lugar como aquele. É claro que não seria nada divertido ficar sentada em uma caverna embaixo d’água o dia inteiro — não respirar se tornava irritante depois de algumas horas —, mas era melhor que explodir em cinzas. Eu deveria pensar como Diego. Pensar em alguma outra coisa que não fosse sangue, quero dizer. Deveria estar preparada para o inesperado.
Diego continuou nadando por uma fenda estreita entre as rochas. Era escuro, preto como tinta. Seguro. Eu não podia mais nadar — era muito apertado —, por isso me arrastei como Diego, escalando o espaço retorcido. Esperava que ele parasse, mas ele seguia adiante. De repente percebi que estávamos subindo. E então ouvi Diego irromper na superfície.
Emergi meio segundo depois.
A caverna não era mais que um pequeno buraco, uma cova mais ou menos do tamanho de um fusca, embora não tão alta. Um segundo vão levava à parte de trás, e eu podia sentir o ar fresco vindo daquela direção. Vi a forma dos dedos de Diego replicada muitas vezes na textura das paredes de calcário.
— Belo lugar — eu disse.
Diego sorriu.
— Melhor que ficar atrás do Freaky Fred.
— Não tenho como contestar isso. Ah... Obrigada.
— De nada.
Nós nos olhamos no escuro por um minuto. O rosto dele estava calmo, relaxado. Com qualquer pessoa, Kevin, Kristie ou um dos outros, aquilo teria sido aterrorizante — o espaço apertado, a proximidade forçada. Poder sentir o cheiro dele ao meu redor. Isso poderia ter significado uma morte rápida e dolorosa, a qualquer momento. Mas Diego era controlado. Diferente de todos os outros.
— Quantos anos você tem? — ele perguntou de repente.
— Três meses. Já disse.
— Não foi isso que eu quis dizer. Quantos anos você tinha? Acho que é a maneira mais correta de perguntar.
Eu me afastei um pouco, desconfortável, quando percebi que ele falava sobre coisas humanas. Ninguém falava sobre isso. Mas eu também não queria encerrar a conversa. Conversar era algo novo e diferente. Hesitei, e ele esperou com uma expressão curiosa.
— Eu tinha 15, acho. Quase 16. Não consigo lembrar o dia... já tinha feito aniversário? — Tentei pensar nisso, mas aquelas últimas semanas de fome eram uma grande confusão, e tentar entendê-las me dava dor de cabeça. Desisti. — E você?
— Eu tinha acabado de completar 18 — Diego revelou. — Estava tão perto!
— Perto do quê?
— De sair — ele respondeu, mas não continuou.
Houve um silêncio breve e estranho, e depois ele mudou de assunto.
— Você tem se saído muito bem desde que chegou — ele comentou, o olhar avaliando os meus braços cruzados, as pernas encolhidas. — Sobreviveu... Evitou atrair atenção indesejável, e se manteve intacta.
Eu encolhi os ombros e levantei a manga esquerda da camiseta, mostrando a linha fina e irregular que contornava meu braço.
— Foi arrancado uma vez — contei. — Consegui pegá-lo de volta antes que Jen o torrasse. Riley me mostrou como colocá-lo no lugar rapidamente.
Diego sorriu de lado e tocou o joelho direito com um dedo. O jeans escuro encobria a cicatriz que devia existir ali.
— Acontece com todo mundo.
— Ai — eu disse.
Ele assentiu.
— É sério. Mas, como eu dizia antes, você é uma vampira bem decente.
— Devo agradecer?
— Estou só pensando alto, tentando entender algumas coisas.
— Que coisas?
Ele franziu um pouco a testa.
— O que está acontecendo realmente. O que Riley está tramando. Por que continua levando para ela os garotos mais diferentes. Por que não tem importância para ele que seja alguém como você ou alguém como o idiota do Kevin.
Aparentemente, ele não conhecia Riley melhor que eu.
— Como assim alguém como eu? — perguntei.
— Você é o tipo que Riley deveria estar procurando: o tipo esperto, e não aqueles estúpidos meninos de gangue que Raoul insiste em trazer. Aposto que não era uma drogada quando era humana.
Eu me mexi com certo desconforto ao ouvir a última palavra. Diego continuava esperando por minha resposta, como se não tivesse dito nada fora do normal. Respirei fundo e pensei no passado.
— Estive bem perto disso — confessei depois que ele me observou pacientemente por alguns segundos. — Não era uma viciada ainda, mas seria em uma questão de semanas... — Encolhi os ombros. — Sabe, não me lembro de muita coisa, mas lembro que pensava não haver nada mais poderoso neste planeta do que a boa e velha fome. Descobri que a sede é pior.
Ele riu.
— Somos dois.
— E você? Não era um adolescente fugitivo e perturbado como todos nós?
— Ah, eu era perturbado, sim. — Ele parou de falar.
Mas eu também podia ficar ali sentada esperando por respostas a perguntas inadequadas. E fiquei olhando para ele.
Diego suspirou. Seu hálito era agradável. Todo mundo tinha um cheiro adocicado, mas Diego tinha algo mais — um tempero, algo parecido com canela ou cravo-da-índia.
— Tentava me manter afastado de toda essa porcaria. Estudava muito. Ia sair do gueto, sabe? Ia para a faculdade. Ser alguém. Mas tinha um cara, não muito diferente de Raoul. Seguir sua lei ou morrer, esse era seu lema. Eu não queria uma coisa nem outra, por isso ficava longe do grupo que ele liderava. Era cuidadoso. E me mantive vivo. — Ele parou, fechando os olhos.
Eu ainda não estava satisfeita.
— E?
— Meu irmão mais novo não teve o mesmo cuidado.
Eu ia perguntar se o irmão havia seguido a lei do tal cara ou morrido, mas a expressão no rosto dele tornou a pergunta desnecessária. Desviei o olhar, sem saber o que dizer. Eu não era capaz de entender realmente aquela perda, a dor tão evidente que ainda causava nele. Não deixara para trás nada que ainda me fizesse falta. Seria essa a diferença? Por isso ele insistia nas lembranças que todos nós evitávamos?
Ainda não tinha entendido como Riley entrava nessa história. Riley e o cheeseburger da dor. Eu queria saber, mas me sentia mal por ter pressionado Diego a me dar uma resposta.
Satisfazendo a minha curiosidade, depois de um minuto ele continuou:
— Eu perdi o controle. Roubei a arma de um amigo e saí caçando. — Sua risada soou sombria. — Naquele tempo não era tão bom nisso. Mas peguei o cara que matou meu irmão antes que me pegassem. O restante da gangue me encurralou em um beco. Então, de repente, Riley estava lá, entre mim e eles. Eu me lembro de ter pensado que ele era o sujeito mais branco que eu já tinha visto. Riley nem olhou para os outros quando atiraram nele. Era como se as balas fossem mosquitos. Sabe o que ele me disse? “Quer uma vida nova, garoto?”
— Hah! — Eu ri. — Foi bem melhor com você. Comigo foi: “Quer um hambúrguer, garota?”
Eu ainda me lembrava da aparência de Riley naquela noite, embora a imagem fosse nublada, porque minha visão era terrível naquela época. Ele era o homem mais lindo que eu já tinha visto, alto, louro, perfeito em cada traço. Eu sabia que os olhos deviam ser lindos por trás dos óculos escuros que ele não chegava a tirar. E a voz era gentil, doce. Imaginei que já soubesse o que ele ia querer como pagamento pela refeição, e não teria negado. Não por ele ser lindo, mas porque eu não comia nada além de lixo havia duas semanas. Mas ele quis algo diferente do que eu imaginava.
Diego riu da história do hambúrguer.
— Você devia estar com muita fome.
— Pode apostar.
— E por que tanta fome?
— Porque fui estúpida e fugi antes de ter uma carteira de motorista. Não conseguia arrumar emprego e era péssima em roubar.
— Do que você estava fugindo?
Hesitei. As lembranças ficavam um pouco mais claras quando eu me concentrava nelas, mas não tinha certeza de querer essa nitidez.
— Ah, vai — ele me incentivou. — Eu contei a minha história.
— É, contou. Tudo bem. Eu estava fugindo do meu pai. Ele me batia muito. Devia fazer o mesmo com minha mãe, porque ela também foi embora. Eu era muito pequena quando ela fugiu... Não entendia muita coisa. A situação ficou pior. Comecei a pensar que se esperasse demais acabaria morta. Ele me dizia que se algum dia eu fugisse ia morrer de fome. E estava certo. Foi a única vez em que esteve certo, pelo menos com relação a mim. Não penso muito nisso.
Diego fez que sim com a cabeça, indicando que me entendia.
— É difícil lembrar essas coisas, não é? Fica tudo muito escuro, confuso.
— É como tentar enxergar com lama nos olhos.
— Boa comparação — elogiou ele, apertando os olhos como se tentasse me enxergar e esfregando as pálpebras com a mão.
Rimos juntos novamente. Estranho.
— Não acho que tenha dado risada com alguém desde que conheci Riley — ele comentou, ecoando meus pensamentos. — Isso é bom. Você é legal. Não é como os outros. Já tentou conversar com um deles?
— Não, nunca.
— Não está perdendo nada. E é esse o meu ponto. O padrão de vida de Riley não seria um pouco melhor se ele se cercasse de vampiros decentes? Se deveríamos garantir a proteção dela, não seria mais lógico procurar os mais espertos?
— Sendo assim, Riley não precisa de qualidade — arrisquei. — Precisa de quantidade.
Diego pensou no que eu disse.
— É como xadrez. Ele não tem reis nem bispos.
— Somos só peões — eu me dei conta.
Nós nos olhamos novamente por um longo instante.
— Não quero pensar nisso — Diego declarou.
— Então, o que vamos fazer? — perguntei, usando o plural instintivamente, como se já fôssemos uma equipe.
Diego pensou na minha pergunta por um segundo, aparentemente incomodado, e eu me arrependi do plural. Mas, em seguida, ele disse:
— O que podemos fazer quando não sabemos o que está acontecendo?
Ele não estava incomodado com a coisa da equipe, o que me fez sentir bem de verdade. Bem como eu não me lembrava de ter me sentido antes. Nunca.
— Acho que devemos ficar de olhos abertos, prestar atenção, tentar entender.
Ele assentiu.
— Precisamos pensar em tudo o que Riley nos disse, em tudo o que ele fez. — Ele parou pensativo. — Sabe, tentei conversar sobre isso com Riley uma vez, mas ele não me deu a menor atenção. Disse que devia me preocupar com coisas mais importantes, como a sede. E sede era tudo em que eu conseguia pensar naquele momento, é claro. Ele me mandou sair para caçar, e eu não me preocupei mais...
Observei enquanto ele pensava em Riley, seus olhos sem foco, voltados para dentro, para as memórias, e refleti. Diego era meu primeiro amigo nessa vida, mas eu não era sua primeira amiga.
De repente o foco era eu.
— Então, o que temos sobre Riley?
Eu me concentrei, repassando mentalmente os últimos três meses.
— Ele não fala muito, você sabe. Só revela o básico sobre ser vampiro.
— Vamos ter que prestar mais atenção.
Ficamos sentados em silêncio, ponderando. Eu pensava principalmente em quanto não sabia. E por que não me preocupava com tudo o que não sabia antes? Era como se conversar com Diego tivesse esclarecido meus pensamentos. Pela primeira vez em três meses, sangue não era o centro das minhas atenções.
O silêncio se estendeu por um tempo. A abertura por onde eu sentira o ar fresco passando para o interior da caverna não estava mais escuro. Agora era de um cinza carregado e ia se tornando
minimamente mais claro a cada segundo. Diego notou que eu olhava nervosa para lá.
— Não se preocupe — ele disse. — Uma luz fraca penetra aqui nos dias ensolarados. Não vai nos ferir. — Ele deu de ombros.
Eu me aproximei mais da abertura no chão, por onde a água desaparecia à medida que a maré baixava.
— É sério, Bree. Já estive aqui antes durante o dia. Falei com Riley sobre esta caverna e sobre como ela fica cheia de água quase todo o tempo. Ele disse que era um lugar legal para quando eu quisesse sair da casa de doidos. Enfim, pareço ter sofrido queimaduras?
Eu hesitei, pensando em como o relacionamento dele com Riley era diferente do meu com Riley. As sobrancelhas dele se ergueram enquanto esperava por uma resposta.
— Não — eu disse afinal. — Mas...
— Veja — ele me interrompeu impaciente. Rastejou rapidamente pelo túnel e enfiou o braço na abertura até a altura do ombro. — Nada.
Fiz que sim com a cabeça uma única vez.
— Relaxe! Quer que eu veja até onde posso ir? — Enquanto falava, ele enfiou a cabeça na abertura e começou a subir.
— Não, Diego. — Ele já estava fora do meu campo de visão. — Estou tranquila, juro.
Ele ria, e o som me deu a impressão de que já estava vários metros acima no túnel. Queria ir atrás dele, segurar seu pé e puxá-lo de volta, mas estava paralisada pela tensão. Seria estupidez arriscar a vida para salvar um estranho. Mas eu não tinha nada que se aproximasse de um amigo desde... sempre. Já era difícil pensar em voltar a não ter ninguém com quem conversar depois de uma única noite.
— No estoy quemando — ele disse lá de cima em tom de deboche. — Espere... isso é...? Oh!
— Diego?
Atravessei a caverna em um salto e enfiei a cabeça no túnel. Seu rosto estava bem ali, a centímetros do meu.
— Bu!
Eu recuei — só um reflexo, um antigo hábito.
— Engraçadinho — disse secamente, afastando-me enquanto ele voltava ao interior da caverna.
— Precisa relaxar, garota. Eu já olhei tudo aqui, certo? A luz do sol não fere quando é indireta.
— Então está dizendo que posso simplesmente ficar embaixo de uma boa árvore e me sentir bem?
Ele hesitou por um minuto, como se tentasse decidir se me dizia ou não alguma coisa, e depois revelou em voz baixa:
— Já fiz isso uma vez.
Eu o encarei e esperei pela risada. Porque era uma piada.
Mas ele não riu.
— Riley disse... — comecei, mas parei antes de terminar a frase.
— Sim, eu sei o que Riley disse. Talvez ele não saiba tanto quanto afirma saber.
— Mas Shelly e Steve. Doug e Adam. Aquele garoto com o cabelo ruivo e brilhante. Todos eles. Todos desapareceram porque não voltaram a tempo. Riley viu as cinzas.
Diego franziu as sobrancelhas com uma expressão de infelicidade.
— Todos sabem que os vampiros antigos tinham de ficar em caixões durante o dia — continuei. — Para ficar longe do sol. Isso é de conhecimento geral, Diego.
— Você está certa. Todas as histórias dizem isso.
— Além do mais, o que Riley teria a ganhar nos mantendo o dia inteiro trancados em um porão à prova de luz, um grande caixão coletivo? Nós sempre destruímos o lugar, e ele tem que contornar todas as brigas, a confusão constante. Nada vai me convencer de que ele gosta disso.
Algo no que eu disse surpreendeu Diego. Ele ficou sentado com a boca aberta por um segundo, depois a fechou.
— O que é?
— Conhecimento geral — Diego repetiu. — O que os vampiros fazem o dia todo nos caixões?
— Ah... ah, bem, eles dormem, certo? Mas acho que eles ficam lá deitados e entediados, porque nós não... Tudo bem, essa parte está errada.
— Isso mesmo. Só que nas histórias eles não estão apenas dormindo, estão totalmente inconscientes. Não conseguem acordar. Um humano pode simplesmente se aproximar e cravar uma estaca nos vampiros sem nenhum problema. E essa é outra coisa. Estacas. Você realmente acha que alguém pode enfiar uma estaca em seu corpo?
Eu encolhi os ombros.
— Não tinha pensado nisso. Quer dizer, não, obviamente não um pedaço de madeira comum. Talvez madeira afiada tenha algum tipo de... Não sei. Propriedades mágicas ou coisa parecida.
Diego bufou impaciente.
— Ah, por favor...
— Bem, eu não sei. De qualquer maneira, não ficaria quieta se um humano tentasse me espetar com um cabo de vassoura pontudo.
Ainda com uma expressão contrariada, como se magia fosse algo realmente distante quando se é um vampiro, Diego ficou de joelhos e começou a cavar com as unhas o calcário sobre sua cabeça. Pequeninos fragmentos de pedra cobriam seus cabelos, mas ele os ignorava.
— O que está fazendo?
— Uma experiência.
Ele enterrou as duas mãos na rocha até conseguir ficar em pé e depois continuou subindo.
— Diego, se você chegar à superfície, vai explodir. Pare com isso.
— Não estou tentando... Ah, aqui está.
Houve um estalo alto e depois outro, mas nenhuma luz. Ele recuou até um ponto onde eu podia ver seu rosto e me mostrou o pedaço de raiz de árvore que tinha em uma das mãos, uma raiz branca, morta e seca sob a terra. A ponta quebrada era afiada, irregular. Ele a jogou na minha direção.
— Enfie isso em mim.
Eu a joguei de volta.
— Nem pensar.
— É sério. Você sabe que isso não pode me machucar.
Ele jogou de volta o pedaço de madeira; em vez de pegá-la, eu a rebati.
Ele agarrou a raiz no ar e resmungou:
— Você é tão... supersticiosa!
— Sou uma vampira. Se isso não é prova de que as pessoas supersticiosas estão certas, não sei o que é.
— Muito bem, eu mesmo faço.
Ele segurou o pedaço de madeira diante do corpo numa atitude dramática, o braço estendido como se empunhasse uma espada com a qual pretendia se transpassar.
— Ah, pare — eu disse, incomodada. — Isso é ridículo.
— É isso que estou dizendo. Não vai dar em nada.
Ele golpeou o peito com a estaca, bem no lugar onde seu coração deveria bater, com força suficiente para perfurar um bloco de granito. Eu fiquei totalmente paralisada pelo pânico até ele começar a rir.
— Devia ver sua cara, Bree.
Os pedaços da madeira quebrada caíram por entre seus dedos; a raiz estilhaçou-se no chão. Diego limpou a camisa com as mãos, embora ela estivesse castigada demais pela água e pelas escaladas e não fosse ficar muito melhor. Nós dois teríamos que roubar mais roupas na próxima vez que surgisse uma chance.
— Talvez seja diferente quando é um humano quem faz isso.
— E você se sentia assim tão mágica quando era humana?
— Não sei, Diego — respondi exasperada. — Não fui eu que inventei todas essas histórias.
Ele assentiu com a cabeça, repentinamente mais sério.
— E se as histórias forem exatamente isso? Inventadas?
Eu suspirei.
— Que diferença faz?
— Não sei. Mas se vamos pensar no motivo de estarmos aqui, em por que Riley nos trouxe para ela, em por que ela está criando mais como nós, temos que entender tudo o que for possível. — A testa dele estava franzida, e qualquer sinal de riso havia desaparecido de seu rosto.
Eu apenas o encarava. Não tinha respostas.
O rosto de Diego ganhou certa suavidade.
— Isso ajuda muito, sabe? Falar sobre o assunto. Ajuda a me dar foco.
— Também acho — concordei. — Não sei por que nunca pensei em tudo isso antes. Parece tão óbvio! Mas raciocinar... Não sei. É mais fácil manter a linha de pensamento.
— Exatamente. — Diego sorriu para mim. — Estou muito feliz por você ter vindo esta noite.
— Não me venha com essa conversa mole agora.
— O quê? Não quer ser... — ele estreitou os olhos e fez uma voz um pouco mais aguda — minha melhor amiga para sempre? — Ele mesmo riu da besteira que dizia.
Revirei os olhos, sem saber ao certo se ele debochava da expressão ou de mim.
— Ah, Bree. Seja minha melhor amiga para sempre. Por favor?
Diego ainda brincava, mas seu sorriso era mais largo e... esperançoso. Ele estendeu a mão.
Dessa vez eu bati na mão dele com vontade, cumprimentando-o de verdade, sem perceber que ele tinha outra intenção até que senti os dedos segurando os meus.
Era perturbador e esquisito tocar outra pessoa depois de uma vida inteira — porque os últimos três meses haviam sido toda a minha vida — evitando qualquer tipo de contato. Era como tocar um fio elétrico soltando faíscas e descobrir que não tinha problema nenhum nisso.
Tive a impressão de que meu sorriso saiu um pouco torto.
— Pode contar comigo.
— Excelente! Nosso clube particular.
— E muito exclusivo — acrescentei.
Ele ainda segurava minha mão. Não como num aperto, mas também não como se estivéssemos de mãos dadas.
— Precisamos de um cumprimento secreto.
— Você pode cuidar disso.
— Então, o clube super-secreto dos melhores amigos convoca uma reunião e, estando todos presentes, põe em pauta o cumprimento secreto, a ser decidido em outra data. — Ele continuou: — Primeira ordem do dia: Riley. Sem noção? Desinformado? Ou mentiroso?
Os olhos estavam fixos nos meus enquanto ele falava, olhos sinceros e atentos. E não houve nenhuma mudança quando ele disse o nome de Riley. Naquele instante, tive certeza de que não havia fundamento nas histórias sobre Riley e ele. Diego só estava por perto havia mais tempo que os outros, apenas isso. Eu podia confiar nele.


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Um comentário:

LUANA ANDRADE disse...

nussssss, que texto grande ! *-*
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