16.12.11

Desafio: A Breve Segunda Vida de Bree Tanner

Continuação 
-Obs: o meu livro não é dividido em capitulos, então eu vou colocar a quantidade de páginas que acho censata.


Para ler, clique em "Mais Informações"


— Adicione mais um tópico à lista — completei. — Objetivo. Tipo, qual é a dele?
— Na mosca. Isso é exatamente o que precisamos descobrir. Mas, antes, outra experiência.
— Essa palavra me deixa nervosa.
— Confiança é parte essencial de toda essa história do clube secreto.
Ele se levantou no espaço adicional que abrira pouco antes e voltou a cavar. Um segundo depois, os pés balançavam no ar e ele se segurava com uma das mãos, cavando com a outra.
— Espero que esteja procurando alho — eu disse e recuei para o túnel que levava ao mar.
— Essas histórias não são reais, Bree — respondeu ele lá de cima.
Ele ergueu o corpo um pouco mais na abertura que escavava, provocando uma chuva de terra. Naquele ritmo, logo acabaria enchendo o esconderijo onde estávamos, ou o preencheria com luz, o que o tornaria ainda mais inútil.
Eu continuei recuando pelo canal de saída, apenas os olhos e os dedos do lado de fora. A água chegava apenas à altura do meu quadril. Eu não precisaria de mais do que um segundo para desaparecer na escuridão lá embaixo. E poderia passar um dia inteiro sem respirar.
Nunca havia sido muito fã de fogo. Talvez fosse por alguma lembrança da infância, alguma memória enterrada no inconsciente, ou talvez por algo mais recente. A transformação em vampiro implicara fogo mais que suficiente para mim.
Diego devia estar perto da superfície. Mais uma vez, me incomodou a ideia de perder meu novo e único amigo.
— Por favor, pare, Diego — murmurei, sabendo que ele provavelmente riria, sabendo que não me atenderia.
— Confiança, Bree.
Eu esperei, imóvel.
— Quase... — ele resmungou. — Tudo bem.
Fiquei tensa, esperando pela luz, pela faísca, ou pela explosão, mas Diego desceu de volta, e ainda estava escuro. Agora ele tinha na mão uma raiz ainda mais comprida, pontuda e dura, que era quase maior que eu. Ele me olhou com aquele ar de “eu disse”.
— Não sou uma pessoa completamente inconseqüente — ele falou. E apontou para a raiz com a mão livre. — Está vendo? Precaução.
Ao terminar sua declaração, ele cutucou a nova abertura com a raiz. Houve um último desmoronamento de pedregulhos e areia e Diego se jogou de joelhos, saindo do caminho. Então, um raio de luz brilhante — um raio da largura do braço de Diego — atravessou a escuridão da caverna. A luz desenhava uma coluna do teto ao chão, fazendo cintilar as partículas suspensas de poeira. Eu estava imóvel, agarrada à beirada do poço, pronta para me soltar e desaparecer.
Diego não se encolheu nem gritou de dor. Não havia cheiro de fumaça. A caverna estava cem vezes mais clara que antes, mas isso não parecia afetá-lo. Então, talvez aquela história sobre sombras e árvores fosse verdadeira. Eu observei com cautela enquanto ele se ajoelhava ao lado da coluna de luz, imóvel, apenas olhando fixamente. Diego parecia estar bem, mas havia uma mudança sutil em sua pele. Uma espécie de movimento, talvez da poeira assentando, refletindo a luminosidade. Tive a impressão de que ele brilhava um pouco.
Talvez não fosse a poeira. Talvez fosse a combustão. Talvez não doesse, e ele só perceberia quando fosse tarde demais...
Segundos se passaram enquanto olhávamos imóveis para a luz do dia.
Então, em um movimento que parecia ao mesmo tempo absolutamente esperado e completamente impensável, ele estendeu a mão com a palma voltada para cima e esticou o braço até o feixe de luz. Eu me movi mais depressa do que podia pensar, o que era bem rápido.
Empurrei Diego contra a parede do fundo da pequena caverna cheia de terra, antes que ele pudesse aproximar a mão da coluna da luz, a um centímetro dele, e expor sua pele.
O ambiente foi invadido por um clarão repentino, e no mesmo instante eu senti o calor em minha perna. Percebi que não havia espaço suficiente para manter Diego encostado na parede sem que alguma parte do meu corpo entrasse em contato com a luz.
— Bree! — ele exclamou.
Eu me virei instintivamente, e me espremi contra a parede. Tudo isso levou menos de um segundo, e nesse meio-tempo fiquei esperando pela dor. Esperei as chamas surgirem e se espalharem como na noite em que a conheci, porém mais depressa. O brilho ofuscante da luz havia desaparecido. Restava apenas aquela coluna de sol.
Olhei para o rosto de Diego e vi que seus olhos estavam arregalados, a boca aberta e o queixo caído. Ele estava completamente imóvel, um sinal certo de alarme. Eu queria olhar minha perna, mas tinha medo de ver o que restara dela. Não era como quando Jen arrancara meu braço, embora aquilo tivesse doído mais. Desta vez eu não teria como consertar o estrago.
Ainda não sentia nenhuma dor.
— Bree, você viu isso?
Fiz que não com a cabeça uma só vez, apressada.
— Está feio?
— Feio?
— Minha perna — eu disse por entre os dentes. — O que sobrou dela?
— Sua perna está bem.
Olhei para baixo rapidamente, e de fato lá estavam meu pé e minha canela, exatamente como antes. Mexi os dedos. Tudo bem.
— Está doendo? — ele indagou.
Eu me abaixei, ajoelhando-me no chão.
— Ainda não.
— Viu o que aconteceu? A luz?
Eu neguei com a cabeça.
— Veja isso — ele disse, ajoelhando-se diante do raio de sol. — E dessa vez não me empurre. Você já provou que eu estava certo.
Ele estendeu a mão. Dessa vez foi quase tão difícil de olhar quanto antes, mesmo sentindo minha perna e sabendo que ela estava inteira, normal.
No segundo em que os dedos de Diego encontraram o raio de luz, a caverna foi invadida por um milhão de reflexos brilhantes e coloridos, um verdadeiro arco-íris. A claridade era como a luz do meio-dia em uma sala de vidro — havia luz para todos os lados. Eu me encolhi e um tremor percorreu meu corpo. Estava completamente coberta pela luz do sol.
— Não pode ser — Diego sussurrou.
Ele pôs o restante da mão no feixe de luz, e a caverna tornou-se ainda mais radiante. Diego virou a mão para olhar o outro lado, e desvirou novamente. O movimento fazia os reflexos dançarem como se ele girasse um prisma.
Não havia cheiro de queimado e era evidente que ele não sentia dor. Olhei atentamente para a mão de Diego e tive a impressão de que havia um zilhão de minúsculos espelhos em sua pele, superfícies pequenas demais para serem distinguidas separadamente, todas refletindo a luz com o dobro da intensidade de um espelho regular.
— Venha, Bree. Você precisa experimentar...
Eu não conseguia pensar em um motivo para recusar o convite, e estava curiosa, mas também estava relutante ao me aproximar dele.
— Não arde?
— Nada. A luz não queima, apenas... é refletida por nós. Bem, acho que refletir é uma palavra amena demais para descrever o que estamos vendo.
Lenta como uma humana, estendi meus dedos com evidente indecisão em direção à luz. Imediatamente, os reflexos se espalharam em todas as direções partindo da minha pele, tornando a caverna tão brilhante que o dia lá fora chegava a parecer escuro. Mas não eram exatamente reflexos, porque a luz era fragmentada e colorida como um cristal. Coloquei a mão inteira na coluna de luz, e a caverna ficou ainda mais cintilante.
— Acha que Riley sabe? — murmurei.
— Talvez. Talvez não.
— Por que ele não contaria para nós, se soubesse? Qual seria o propósito de guardar segredo? Sim, somos como um globo de luz ambulante. — Encolhi os ombros.
Diego riu.
— Agora entendo de onde vieram as histórias. Imagine se você visse uma coisa dessas quando era humana. Não ia pensar que o sujeito havia simplesmente explodido em chamas?
— Se ele não continuasse por perto. Talvez.
— É incrível! — Diego comentou.
Com um dedo, ele traçou uma linha na palma da minha mão cintilante. Depois levantou-se e entrou inteiro no raio de luz, e todo o espaço à nossa volta virou uma explosão de brilho e luminosidade.
— Venha, vamos sair daqui. — Ele ergueu os braços e içou o corpo pela abertura que abrira na superfície.
Era de se esperar que eu já tivesse superado o choque inicial, mas ainda estava nervosa demais para segui-lo. Sem querer dar a impressão de que era uma grande covarde, fui junto, mas por dentro estava apavorada. Riley tinha mesmo nos convencido sobre queimarmos ao sol e, na minha cabeça, isso se remetia diretamente ao terrível período de ardor e queimação de quando me tornei uma vampira. E não conseguia evitar o pânico que instintivamente me dominava cada vez que pensava naquilo.
Diego saiu da abertura, e eu surgi cerca de meio segundo depois. Ficamos parados em uma trilha de grama e mato, poucos passos distante das árvores que cobriam a ilha. Atrás de nós havia apenas alguns metros até a beirada do penhasco, e depois a água. Tudo à nossa volta cintilava com a cor e a luz que refletíamos.
— Uau... — murmurei.
Diego sorriu para mim, seu rosto bonito sob a luz do sol, e, de repente, com um forte calafrio na barriga, percebi que toda aquela coisa de melhor amigo para sempre já era. Para mim, pelo menos. Foi rápido assim.
O sorriso dele ficou então mais suave. Seus olhos refletiam os meus, alertas. Tudo em nós era encanto e luz. Ele tocou meu rosto, como havia tocado minha mão, como se estivesse tentando entender o brilho.
— Tão linda — disse, e deixou a mão descansar em minha face.
Não sei por quanto tempo ficamos ali, sorrindo como completos idiotas, brilhando como tochas. Não havia barcos na baía, o que era bom, provavelmente. Nem mesmo a visão turva dos humanos deixaria de nos perceber. Não que pudessem fazer alguma coisa contra nós, mas eu não estava com sede, e toda a possível gritaria teria arruinado o clima.
Depois de um tempo uma nuvem cobriu o sol. De repente éramos só nós outra vez, embora ainda estivéssemos ligeiramente luminosos. Não o suficiente para que alguém com um olhar menos aguçado que o de um vampiro pudesse notar.
Assim que o brilho desapareceu, meus pensamentos recuperaram a nitidez e eu consegui refletir sobre o que aconteceria em seguida. Embora Diego tivesse voltado à aparência normal — ele não faiscava mais como um globo de luz —, eu sabia que não seria como antes para mim. Aquela sensação de calafrio na barriga continuava. Eu tinha a impressão de que ela ficaria ali para sempre.
— Vamos contar a Riley? Acha que ele não sabe? — perguntei.
Diego suspirou e abaixou a mão.
— Não sei. Vamos pensar nisso enquanto procuramos pelos outros.
— Temos que ser cuidadosos ao rastreá-los durante o dia. Sabe como é, somos fáceis de notar à luz do sol...
Ele riu.
— Vamos agir como ninjas.
Eu concordei com a cabeça.
— “Clube supersecreto ninja” soa muito melhor que aquela coisa de “melhor amigo para sempre”.
— Definitivamente.
Não levamos mais que alguns segundos para localizar o ponto de onde toda a turma havia partido ao sair da ilha. Essa foi a parte fácil. Descobrir para onde no continente eles haviam ido era outra história. Discutimos rapidamente a ideia de nos separar, mas a decisão de continuar juntos foi unânime. Nossa lógica fazia todo o sentido — se um de nós encontrasse algo, como contaria ao outro? —, mas, na verdade, eu simplesmente não queria sair de perto dele, e podia ver que ele sentia o mesmo. Nenhum de nós jamais teve um colega, uma companhia agradável, e a experiência era boa demais para perdermos um minuto sequer.
Eles poderiam ter ido para qualquer lugar. As opções eram muitas. Para o continente, ou para outra ilha, ou para a periferia de Seattle, ou para o norte do Canadá. Quando demolíamos ou queimávamos uma de nossas casas, Riley estava preparado — ele sempre parecia saber exatamente para onde ir. Devia planejar as mudanças com antecedência, mas nunca nos informava sobre seus planos.
Eles poderiam estar em qualquer lugar.
Ter de mergulhar e voltar à superfície para evitar que barcos e pessoas nos vissem significava uma tremenda perda de tempo. Não tivemos sorte durante todo o dia, mas também não estávamos incomodados com isso. Nós nos divertíamos como jamais havíamos nos divertido antes.
Foi um dia estranho. Em vez de estar sentada infeliz na escuridão, tentando não ouvir a confusão dos outros e me esforçando para engolir a repugnância pelo lugar onde nos escondíamos, estava brincando de ninja com meu melhor amigo, ou talvez algo mais. Rimos muito enquanto percorríamos os caminhos à sombra, jogando pedras um no outro como se fossem estrelas ninja.
Então o sol se pôs, e de repente fiquei nervosa. Riley procuraria por nós? Pensaria que havíamos fritado ao sol? Ou ele sabia que não?
Começamos a nos deslocar mais depressa. Muito mais depressa. Já havíamos percorrido todas as ilhas próximas e agora nos concentrávamos no continente. Cerca de uma hora depois do pôr do sol, farejei um cheiro conhecido, e em segundos encontramos o rastro. Depois que tínhamos a pista do cheiro, tudo ficou fácil como seguir uma manada de elefantes na neve fofa.
Enquanto corríamos, falamos sobre o que fazer, adotando um tom mais sério.
— Não acho que seja uma boa ideia contar a Riley — opinei. — Vamos dizer que passamos o dia inteiro na caverna e saímos ao anoitecer para procurar por eles. — Minha paranóia crescia. — Melhor ainda: vamos dizer a eles que sua caverna estava cheia de água. Não podíamos nem conversar.
— Acha que Riley é do mal, não é? — ele perguntou em voz baixa, depois de um minuto.
Enquanto falava, Diego segurava minha mão.
— Não sei. Mas prefiro agir como se fosse, só por precaução. — Hesitei por um instante antes de acrescentar: — Você não quer pensar que ele pode ser mau.
— Não — Diego admitiu. — Ele é meu amigo. Quer dizer, é como se fosse um amigo. Não é como você. — Os dedos afagaram os meus. — Mas é mais que todos os outros. Não quero pensar... — ele não concluiu a sentença.
Eu devolvi o afago.
— Talvez ele seja realmente bom. O fato de sermos cuidadosos não vai mudar quem ele é.
— É verdade. Tudo bem, vamos contar a história da caverna, então. Pelo menos no início... Posso conversar com ele sobre o sol depois, mais tarde. Vai ser melhor ter essa conversa durante o dia, mesmo, quando eu puder provar imediatamente minha afirmação. E caso ele já saiba, mas tenha um bom motivo para não nos ter contado antes, será melhor mesmo conversarmos sozinhos. Posso pegá-lo ao amanhecer, quando ele estiver voltando de onde quer que seja...
Notei que de repente ele dizia eu no lugar do nós, e isso me incomodou. Mas, ao mesmo tempo, eu não queria mesmo participar de nenhuma conversinha educativa envolvendo Riley. Não tinha nele a mesma fé que Diego.
— Ataque ninja ao amanhecer! — exclamei, tentando fazê-lo rir. E funcionou. Voltamos a brincar e seguimos rastreando nosso bando de vampiros, mas eu podia perceber que por trás da aparente diversão ele pensava em coisas sérias, como eu.
E eu ficava mais ansiosa à medida que seguíamos correndo. Éramos muito velozes, e não havia nenhuma possibilidade de estarmos na trilha errada, mas estávamos demorando demais para encontrá-los. Nós nos afastamos muito da costa, subindo as montanhas, entrando em um novo território. Esse não era o padrão habitual.
Todas as casas que havíamos ocupado, fossem elas na encosta de uma montanha, em uma ilha ou escondidas no meio de uma grande fazenda, tinham algumas características em comum. Os proprietários mortos, o local isolado e mais uma coisa: todas visavam Seattle. Margeavam a cidade como luas orbitais. Seattle era sempre o foco, o alvo.
Agora estávamos fora de órbita, e isso era estranho. Talvez isso não quisesse dizer nada, talvez fosse só uma das muitas coisas que mudaram naquele dia. Todas as verdades que eu aceitava estavam de cabeça para baixo, e eu não estava com disposição para outras revoluções. Por que Riley não havia simplesmente escolhido um lugar normal?
— Engraçado eles terem se afastado tanto — Diego murmurou, e eu ouvi a tensão em sua voz.
— Engraçado ou assustador — eu disse.
Ele apertou minha mão.
— Está tudo bem. O clube ninja pode encarar qualquer coisa.
— Já criou nosso cumprimento secreto?
— Estou pensando nisso — ele garantiu.
Algo começou a me incomodar. Era estranho, como se eu pudesse sentir um ponto cego... Sabia que havia alguma coisa que eu não enxergava, mas não conseguia identificar o quê. Algo óbvio...
E então, uns trinta e cinco quilômetros a oeste do nosso perímetro habitual, encontramos a casa. Era impossível não reconhecer o barulho. O tum tum tum do baixo, a trilha sonora do videogame, os grunhidos. Era típico.
Soltei a mão de Diego e ele me olhou.
— Ei, eu nem conheço você — falei num tom debochado. — Nós nem conversamos no meio de toda aquela água. Até onde sei, você pode muito bem ser um ninja ou um vampiro.
Ele riu.
— Vale para você também, estranha. — Depois, em voz mais baixa e falando depressa: — Faça as mesmas coisas que fez ontem. Amanhã à noite sairemos juntos. Vamos fazer um reconhecimento, tentar entender um pouco mais do que está acontecendo.
— Gostei do plano. Dê o sinal.
Ele se inclinou e me beijou — só um selinho, mas me beijou na boca. O choque provocado pelo contato percorreu todo o meu corpo.
— Vamos lá — ele disse, e desceu a encosta da montanha na direção do barulho impressionante sem olhar para trás, já representando seu papel.
Eu o segui um pouco atordoada, mantendo alguns metros de distância, lembrando-me de me comportar com ele como teria me comportado com qualquer outro.
A casa era grande, uma espécie de galpão de lenhador, e ficava em uma clareira cercada de pinheiros, sem nenhum sinal de vizinhança num raio de muitos quilômetros. Todas as janelas estavam escuras, como se o lugar estivesse vazio, mas a estrutura tremia com a reverberação do baixo no porão.
Diego entrou primeiro, e eu tentei segui-lo como se andasse atrás de Kevin ou Raoul. Hesitante, protegendo meu espaço. Ele encontrou a escada e desceu com passos confiantes.
— Tentando me despistar, bando de fracassados? — ele perguntou.
— Ah, ei, Diego está vivo — Kevin respondeu com uma marcada falta de entusiasmo.
— Não com sua ajuda — Diego acusou ao entrar no porão escuro.
A única luz provinha das várias telas de tevê, mas era muito mais do que qualquer um de nós precisava. Corri para perto de Fred, que tinha um sofá inteiro só para ele, satisfeita por poder me mostrar ansiosa como estava, porque não havia nenhuma possibilidade de esconder ou disfarçar o sentimento. Engoli em seco a onda de repulsa e me encolhi no meu lugar de costume, no chão, atrás do sofá. Assim que me abaixei, o poder repelente de Fred perdeu um pouco da força. Ou talvez eu já estivesse me acostumando com ele.
O porão estava meio vazio, já que era noite. Todos os garotos ali tinham olhos como os meus — vermelhos e brilhantes, recentemente alimentados.
— Levei um tempo para limpar a sujeira que você fez — Diego disse a Kevin. — Estava quase amanhecendo quando cheguei ao que restava da casa. Tive que passar o dia inteiro sentado em uma caverna cheia de água.
— Vá fofocar tudo para Riley. Não ligo.
— Notei que a garotinha também conseguiu voltar — disse outra voz, e eu estremeci, porque era Raoul.
Senti certo alívio por ele não saber meu nome, mas isso não diminuía o horror por ele ter me notado.
— É, ela me seguiu.
Eu não podia ver Diego, mas sabia que ele estava dando de ombros.
— Eis o grande herói do momento! — Raoul disparou sarcástico.
— Não ganhamos mais pontos por ser idiotas.
Eu teria preferido que Diego não discutisse com Raoul. E esperava que Riley chegasse logo. Só ele era capaz de controlar Raoul, mesmo que não completamente.
Mas Riley devia estar fora caçando garotos da escória para levar para ela. Ou fazendo o que fazia quando estava ausente, fosse o que fosse.
— Você é interessante, Diego. Acha que Riley gosta tanto de você que vai se importar se eu puser um fim em sua existência. Eu acho que está errado. E, de qualquer maneira, neste momento ele já acredita que você está morto.
Eu podia ouvir os outros se movendo. Alguns provavelmente para apoiar Raoul, outros simplesmente para sair do caminho. Hesitei no meu esconderijo, sabendo que não deixaria Diego lutar sozinho contra eles, mas temendo estragar o disfarce sem necessidade, caso não acontecesse um confronto. Imaginei que Diego não teria sobrevivido por tanto tempo sem ter fabulosas habilidades de combate. De minha parte, não tinha muito a oferecer nesse departamento. Havia três membros da gangue de Raoul ali, e alguns outros que poderiam ficar do lado dele só para ganhar sua simpatia. Será que Riley voltaria para casa antes que eles tivessem tempo de nos queimar?
A voz de Diego era calma quando ele respondeu:
— Tem mesmo todo esse medo de me enfrentar sozinho? Típico.
Raoul rosnou.
— Isso alguma vez já funcionou? Quer dizer, sem ser nos filmes. Por que eu deveria brigar sozinho? Não quero bater em você. Só quero destruí-lo.
Eu me abaixei atrás do sofá, pronta para saltar e entrar em ação.
Raoul continuava falando. Ele gostava muito do som da própria voz.
— Mas não vai ser preciso reunir todos nós para cuidar de você. Esses dois vão cuidar da outra prova da sua infeliz sobrevivência. A pequena sei-lá-o-nome-dela.
Meu corpo estava gelado, paralisado. Tentei me livrar dessa sensação para poder lutar. Não que isso fosse fazer alguma diferença. Então senti algo mais, uma coisa totalmente inesperada — uma onda de repulsa tão forte que não consegui me manter agachada. Caí no chão encolhida, ofegando com horror.
Eu não era a única reagindo. Ouvi grunhidos enojados e sons de ânsia de todos os cantos do porão. Algumas pessoas se retiravam para os cantos mais afastados, onde eu podia vê-las. Elas se espremiam contra as paredes, esticando o pescoço como se assim pudessem escapar da horrível sensação. Pelo menos uma pertencia à gangue de Raoul.
Ouvi o rosnado distinto de Raoul e depois notei que o som se distanciava, uma indicação de que ele subia a escada. E Raoul não foi o único a fugir dali. Pelo menos metade dos vampiros saiu do porão.
Eu não tive essa chance. Mal podia me mover. Devia ser porque estava perto demais de Freaky Fred. Ele era o responsável pelo que estava acontecendo. E por mais que eu me sentisse horrível, conseguia perceber que ele, provavelmente, acabara de salvar minha vida.
Por quê?
A sensação de enjoo foi desaparecendo devagar. Assim que pude, me arrastei até a beirada do sofá e dei uma olhada no porão. Toda a gangue de Raoul sumira, mas Diego ainda estava lá, do outro lado do cômodo, perto das televisões. Os vampiros que restaram relaxavam pouco a pouco, embora todos parecessem um pouco abalados. Muitos lançavam olhares curiosos na direção de Fred. Espiei-o pelas costas, apesar de não conseguir ver nada de onde estava. E desviei o olhar bem depressa. Olhar para Fred trazia de volta parte da náusea.
— Continue abaixada.
A voz grave era de Fred. Eu nunca o ouvira falar. Todos olharam para ele e desviaram os olhos imediatamente, sentindo voltar a repugnância.
Fred afinal só queria paz e sossego. Por mim, tudo bem. Eu estava viva por causa disso. Muito provavelmente, Raoul se distrairia com alguma outra confusão antes do amanhecer e descarregaria a raiva em alguém ao alcance de suas mãos. E Riley sempre voltava no final da noite. Ficaria sabendo que Diego havia passado a noite na caverna, que não fora destruído pelo sol, e Raoul não teria desculpa para atacá-lo ou me atacar.
Pelo menos, esse era o melhor cenário que eu conseguia imaginar. Enquanto isso, talvez Diego e eu pudéssemos pensar em um plano para nos manter bem longe de Raoul.
Mais uma vez, tive a breve sensação de que estava deixando de ver uma solução óbvia. Antes que pudesse descobrir qual era, meus pensamentos foram interrompidos.
— Sinto muito.
O resmungo grave, quase silencioso, só podia ter partido de Fred. E tudo indicava que eu era a única suficientemente próxima para ouvi-lo. Ele estava falando comigo?
Olhei-o novamente e não senti nada. Não conseguia ver seu rosto — ele ainda estava de costas para mim. Fred tinha cabelos grossos, louros e ondulados. Eu nunca havia notado isso, apesar de todos os dias que passara sentada à sua sombra. Riley não estava brincando quando dizia que Fred era especial. Repulsivo, mas realmente especial. Será que Riley tinha alguma ideia de que ele era tão... tão poderoso? Ele conseguira dominar uma sala cheia de vampiros em um segundo.
Embora não pudesse ver sua expressão, tive a sensação de que Fred esperava por uma resposta.
— Não se desculpe — respondi num sussurro muito fraco. — Obrigada.
Fred encolheu os ombros.
E depois disso descobri que não podia mais olhar para ele.
As horas passaram mais devagar que de costume enquanto eu esperava pela volta de Raoul. De vez em quando, tentava olhar para Fred outra vez — enxergar além da proteção que ele criara para si mesmo —, mas sempre me sentia repelida. Se insistisse muito, acabaria vomitando.
Pensar em Fred era uma boa distração, um jeito de não pensar em Diego. Tentei fingir que não me importava saber onde ele estaria. Não olhei para ele, mas me concentrei no som de sua respiração — seu ritmo singular — para me manter orientada. Ele estava sentado do outro lado da sala, ouvindo seus CDs em um laptop. Ou fingindo ouvir, talvez, da mesma forma que eu fingia ler os livros da mochila úmida pendurada em meus ombros. Eu virava as páginas na velocidade habitual, mas não registrava nada. Estava esperando por Raoul.
Felizmente, Riley apareceu primeiro. Raoul e sua gangue entraram logo atrás, mas não tão ruidosos e provocativos como de hábito. Talvez Fred tivesse ensinado a eles um pouco de respeito.
Mas era pouco provável. O mais provável era que Fred só os tivesse enfurecido ainda mais. De minha parte, eu torcia para que Fred nunca abaixasse a guarda.
Riley se aproximou de Diego imediatamente; eu ouvi a conversa de costas para eles, com os olhos no livro. Na periferia do meu campo de visão, percebi que alguns idiotas da gangue de Raoul vagavam, procurando seu jogo favorito ou retomando o que faziam quando Fred os obrigara a sair correndo. Kevin era um deles, mas parecia estar procurando algo mais específico que entretenimento. Várias vezes seus olhos tentaram se fixar no lugar onde eu estava sentada, mas a aura de Fred o mantinha distante. Ele desistiu depois de alguns minutos e parecia um pouco enjoado.
— Soube que você tinha conseguido voltar — disse Riley. Sua voz soava genuinamente satisfeita. — Eu sempre posso contar com você, Diego.
— Sem problemas — Diego respondeu num tom relaxado. — A menos que prender a respiração o dia todo conte como problema.
Riley riu.
— Não fique tão no limite da próxima vez. Precisa servir de exemplo para os bebês.
Diego riu com ele. Pelo canto do olho, notei que Kevin relaxava um pouco. Será que ele estava realmente preocupado com a possibilidade de Diego metê-lo em alguma encrenca? Talvez Riley ouvisse mesmo Diego. Mais do que eu havia percebido. Talvez por isso Raoul tivesse ficado tão furioso antes.
O bom relacionamento de Riley e Diego seria algo favorável, afinal? Talvez Riley fosse legal. E a relação entre eles não comprometia o que existia entre nós, certo?
O tempo não passou mais depressa depois do raiar do dia. O porão estava lotado e o clima era instável, como sempre. Se vampiros ficassem roucos, Riley já teria perdido a voz de tanto gritar. Alguns garotos perderam membros temporariamente, mas ninguém foi queimado. A música variava com a trilha sonora dos jogos, e eu me dava por satisfeita por não ser “propensa” a dores de cabeça. Tentei ler meus livros, mas acabei apenas folheando um depois do outro, sem me interessar o suficiente para tentar focar nas letras. Eu os deixei em uma pilha perfeita ao lado do sofá, para Fred. Sempre deixava meus livros para ele, embora não soubesse dizer se ele os lia ou não. Não conseguia olhá-lo com atenção suficiente para ver o que, precisamente, fazia de seu tempo livre.
Pelo menos Raoul não olhou na minha direção. Nem uma vez. Nem Kevin, nem os outros. Meu esconderijo era mais seguro que nunca. Eu não conseguia ver se Diego era esperto o bastante para me ignorar, porque eu o estava ignorando completamente. Ninguém desconfiava de que formávamos uma equipe, exceto, talvez, Fred — será que ele estivera prestando atenção enquanto eu me preparava para lutar ao lado de Diego? Mesmo que ele tivesse percebido alguma coisa, eu não me preocupava muito. Se Fred tivesse alguma antipatia por mim, poderia ter me deixado morrer mais cedo. Teria sido fácil.
O barulho foi se tornando mais ensurdecedor com o pôr do sol. Não conseguíamos ver a claridade diminuindo, dali do porão, debaixo da terra, com todas as janelas lá em cima cobertas, só por precaução. Mas a espera em tantos dias longos e angustiantes nos tinha dado uma boa noção do momento em que o tormento estava quase acabando. Os garotos começavam a ficar animados, perguntando a Riley se podiam sair.
— Kristie, você saiu ontem — Riley respondeu, e era possível ouvir a impaciência crescendo na voz dele. — Heather, Jim, Logan, podem ir. Warren, seus olhos estão escuros, vá com eles. Ei, Sara, não sou cego. Volte aqui.
Os garotos que ele proibia de sair ficavam de cara fechada, pelos cantos, alguns esperando que o próprio Riley saísse para poderem escapar, apesar das regras.
— Fred, acho que é sua vez — Riley anunciou sem olhar na nossa direção.
Ouvi Fred suspirar ao se levantar. Todos se encolheram quando ele passou pelo centro do aposento, até mesmo Riley. Mas, diferentemente dos outros, Riley tinha um leve sorriso. Ele gostava de vampiros com talentos.
Eu me sentia nua sem Fred por perto. Agora qualquer um poderia olhar para mim. Fiquei quieta, imóvel, abaixada, fazendo tudo o que estava ao meu alcance para não chamar atenção.
Para minha sorte, naquela noite Riley estava com pressa. Ele mal parou para olhar feio para aqueles que se arrastavam disfarçadamente para a porta, não os ameaçou nem mesmo quando já estava saindo. Normalmente, ele fazia alguma versão do discurso habitual sobre sermos discretos, mas não naquele dia. Ele pareceu preocupado, ansioso. Eu poderia apostar que ele ia vê-la. E isso me fazia não querer reencontrá-lo quando amanhecesse.
Esperei Kristie e três de seus habituais companheiros saírem e escapei atrás deles, tentando parecer parte do grupo sem irritá-los. Não olhei para Raoul nem para Diego. Eu me concentrava em parecer insignificante — ninguém que merecesse ser notada. Só mais uma vampira qualquer.
Do lado de fora da casa, imediatamente me afastei de Kristie e corri para o bosque. Esperava que Diego se preocupasse em farejar meu rastro. Na metade da subida da montanha mais próxima, eu me empoleirei na copa de uma grande árvore que ficava isolada das vizinhas por muitos metros. Dali eu teria uma boa visão de qualquer um que tentasse me seguir.
Mas estava exagerando na cautela. Talvez tivesse exagerado durante todo o dia. Diego foi o único que se aproximou, procurando por mim. Eu o vi de longe e desci da árvore para encontrá-lo.
— Dia longo — ele disse ao me abraçar. — Seu plano é difícil.
Eu o abracei também, estranhando quanto o abraço era confortável.
— Talvez seja só paranoia minha.
— Sinto muito sobre Raoul. Foi por pouco.
Eu concordei com um movimento de cabeça.
— É sorte que Fred incomode tanto.
— Fico me perguntando se Riley sabe quanto aquele garoto é poderoso.
— Duvido. Nunca vi Fred fazer aquilo antes e passo muito tempo perto dele.
— Bem, isso é problema do Freaky Fred. Nós já temos o nosso próprio segredo para contar a Riley.
Estremeci.
— Ainda não tenho certeza de que seja boa ideia.
— Não saberemos até ver como ele reage.
— Normalmente, não gosto de não saber.
Diego estreitou os olhos, com ar especulativo.
— O que acha de uma aventura?
— Depende.
— Estava pensando nas prioridades do clube. Sabe como é, descobrir o máximo possível.
— E...?
— Acho que devemos seguir Riley. Descobrir o que ele está fazendo.
Olhei para ele perplexa.
— Mas ele vai perceber que o seguimos. Vai farejar nossa presença.
— Eu sei. Pensei em agir assim: eu sigo o rastro de Riley. Você fica distante alguns metros e segue meu som. Então, Riley só vai saber que eu o segui, e posso argumentar que tinha algo importante a dizer, por isso fui atrás dele. Nesse momento, faço a grande revelação com o efeito globo de luz. E vejo como ele reage. — Seus olhos estavam fixos em mim. — Mas você... você será a carta na manga por enquanto, certo? E eu conto como ele reagiu.
— E se ele voltar mais cedo? Não quer que o encontro aconteça perto do amanhecer, para você poder brilhar?
— Sim... esse é um possível problema. E pode afetar o desenvolvimento da minha conversa com ele. Mas acho que devemos correr o risco. Ele parecia estar com pressa esta noite, não achou? Como se fosse precisar da noite inteira para o que tinha a fazer?
— Talvez. Ou só estava com muita pressa de encontrá-la. Talvez não seja boa ideia surpreendê-lo se ela estiver por perto.
Nós dois nos encolhemos.
— Tem razão. Ainda assim... — Ele franziu a testa. — Não tem a sensação de que o que está por vir, seja o que for, está cada vez mais perto? Como se não tivéssemos a eternidade para entender tudo isso?
Fiz que sim com a cabeça, mas com ar infeliz.
— Sim, é o que eu sinto.
— Então, vamos correr os riscos. Riley confia em mim, e tenho bons motivos para querer falar com ele.
Eu pensei na estratégia. Embora, na verdade, só conhecesse Diego havia um dia, sabia que aquele grau de paranoia não era do feitio dele.
— Esse seu plano elaborado... — eu disse.
— O que tem ele? — Diego perguntou.
— Bem, parece um plano solo. Não tem jeito de aventura do clube. Não na parte perigosa, pelo menos.
Ele fez uma careta, como se quisesse dizer que eu o pegara.
— A ideia é minha. Sou eu quem... — ele hesitou, como se fosse difícil pronunciar as palavras seguintes — confia em Riley. Só eu vou correr o risco de ficar encrencado se estiver errado.
Mesmo sendo uma covarde, não me deixei convencer.
— Não é assim que um clube funciona.
Ele assentiu, a expressão neutra.
— Tudo bem, vamos pensar nisso no caminho.
Eu não acreditava que ele tivesse mesmo a intenção de pensar em alguma coisa.
— Fique nas árvores e me acompanhe do alto, certo? — ele disse.
— Tudo bem.
Ele voltou à cabana, deslocando-se depressa. Eu o segui pelas árvores, a maioria dos galhos tão próximos uns dos outros que só raramente eu precisava de fato saltar de uma copa a outra. Fazia movimentos curtos, leves, torcendo para o balançar dos galhos sob o peso do meu corpo parecer apenas obra do vento. Havia uma brisa constante, o que era uma ajuda. Estava frio para o verão, mas a temperatura não me incomodava.
Diego farejou Riley do lado de fora da casa sem nenhuma dificuldade e depois seguiu o rastro rapidamente, enquanto eu o acompanhava por cima dos galhos, vários metros atrás e uns quarenta e cinco metros ao norte, mais no alto da encosta. Quando as árvores se tornaram realmente densas, ele passou a sacudir um tronco aqui e ali para que eu não o perdesse.
Seguimos em frente, ele correndo, eu feito um esquilo voador, por apenas quinze minutos, mais ou menos, até que Diego reduziu a velocidade. Devíamos estar chegando perto do nosso objetivo. Subi ainda mais pelos galhos, procurando uma árvore de onde tivesse uma boa visão. Escalei uma que era bem mais alta que as vizinhas e observei a cena.
Menos de um metro adiante havia um vão entre as árvores, um campo aberto de vários hectares. Perto do centro, mais próximo das árvores do lado leste, havia o que parecia ser uma gigantesca casa de doces. Pintada de rosa, verde e branco, era elaborada a ponto de parecer ridícula, com acabamento meticuloso e adornos exuberantes em todos os espaços disponíveis. Era o tipo de coisa da qual eu teria rido em uma situação menos tensa.
Riley não estava à vista, mas Diego havia parado lá embaixo, por isso deduzi que ali acabava nossa busca. Talvez aquela fosse a casa que Riley preparava para substituir a grande cabana quando ela desmoronasse. Mas era menor que todas as outras em que já havíamos ficado e não parecia ter um porão. E era ainda mais afastada de Seattle.
Diego me olhou e fiz um sinal convidando-o a subir. Ele concordou com a cabeça e voltou refazendo os próprios passos. Então, deu um salto fabuloso — eu não sabia se conseguiria pular tão alto, mesmo sendo jovem e forte — e agarrou um galho da árvore mais próxima. Ninguém, a menos que fosse extraordinariamente atento, jamais teria notado que Diego se desviara de sua trilha. Mesmo assim, ele ainda se deslocou pela copa das árvores a fim de que seu rastro não levasse diretamente a mim.
Quando finalmente decidiu que era seguro, ele se aproximou e imediatamente segurou minha mão. Em silêncio, lancei o olhar para a casa de confeitos. Um canto da boca dele tremeu.
Juntos, começamos a nos mover para o leste, ainda no topo das árvores. Chegamos tão perto da casa quanto a ousadia permitiu — deixando algumas árvores como cobertura entre a casa e nós — e então nos sentamos em silêncio, ouvindo.
A brisa soprava suave, e conseguimos escutar alguma coisa. Um estranho e breve farfalhar, um tique-tique. De início, não reconheci o que ouvia, mas Diego sorriu, fez um bico engraçado e beijou o ar na minha direção.
Os sons de um beijo entre vampiros não eram os mesmos que os de um beijo entre humanos. Não havia células cheias de líquido e tecido macio para serem espremidos. Só lábios de pedra, nenhuma troca. Eu escutara um beijo entre vampiros antes — o toque dos lábios de Diego nos meus na noite anterior —, mas jamais teria ligado uma coisa a outra. Não chegava nem perto do que eu esperava encontrar ali.
Essa constatação mudou tudo de lugar na minha cabeça. Deduzira que Riley tinha ido vê-la talvez para receber instruções ou levar novos recrutas, eu não sabia. Mas nunca havia imaginado deparar com algo do tipo de... ninho de amor. Como Riley podia beijá-la? Eu não contive um arrepio e olhei para Diego. Ele também parecia levemente horrorizado, mas encolheu os ombros.
Pensei em minha última noite como humana, e me encolhi ao recordar tão vividamente o ardor. Tentei lembrar os momentos anteriores, atravessar a névoa da confusão. Primeiro, senti um medo crescente surgir assim que Riley parou diante da casa velha, a segurança que eu tinha experimentado na lanchonete iluminada onde comera o hambúrguer se dissolvera completamente. Eu recuei, tentei fugir, mas ele agarrava meu braço com força e me tirou do carro como se eu fosse uma boneca, como se não pesasse nada. Depois vieram o terror e a incredulidade quando ele saltou cinco metros até a porta. Terror, e em seguida uma dor que não deixava espaço para dúvidas quando ele quebrou meu braço, arrastando-me pela porta para dentro da casa escura. E então, a voz.
Quando me concentrei na lembrança, consegui ouvi-la outra vez. Aguda e melodiosa, como a de uma menininha, mas mal-humorada. Parecia de uma criança fazendo birra.
Lembrei o que ela disse: “Por que trouxe essa? É muito pequena.” Ou algo do tipo, pensei. As palavras podiam não ser exatamente as mesmas, mas era esse o significado.
Eu tinha certeza de que Riley estava ansioso por agradar quando respondeu, temendo desapontá-la: “Mas ela é outro corpo. Outra distração, pelo menos.”
Acho que nesse momento choraminguei, e ele me sacudiu dolorosamente, mas não voltou a falar comigo. Era como se eu fosse um cachorro, não uma pessoa.
“Essa noite inteira foi um desperdício”, reclamou a voz infantil. “Matei todos eles. Argh!”


Se tiver dificuldade para ler dê "ctrl +" e depois ctrl -".

Um comentário:

Anônimo disse...

Seu blog é uma amor <3 Seguindo aqui, se puder retribuir agradeço!

Beijos,
Sabrina
Blog Link My Fashion