21.12.11

Desafio: A Breve Segunda Vida de Bree Tanner

Lembrei que nesse momento a casa tremeu, como se um carro tivesse ido de encontro a ela. Agora percebia que ela provavelmente havia chutado alguma coisa num momento de frustração.
“Muito bem. Acho que até uma pequena é melhor que nada, se isso é o melhor que pode fazer. Agora já estou tão saciada que talvez consiga parar.”
Os dedos rígidos de Riley haviam desaparecido, e eu fiquei sozinha com a voz. Nesse ponto, estava tomada por um pânico tão absoluto que não emitia mais nenhum som. Apenas fechei os olhos, embora já estivesse completamente cega naquela escuridão. Não gritei até que algo cortou meu pescoço, ardendo como uma lâmina coberta de ácido.

Eu me encolhi, tentando interromper as lembranças, tentando banir da mente o que viria a seguir. Concentrei-me naquela conversa breve. Ela não parecia falar com um amante, nem mesmo com um amigo. Era mais como se tratasse com um empregado. Alguém de quem não gostava muito e que poderia demitir em breve.
Mas os estranhos sons de beijos persistiam. Um dos vampiros suspirou de satisfação.
Eu franzi a testa para Diego. O que escutávamos não nos revelava muita coisa. Por quanto tempo ainda teríamos que ficar ali?
Ele inclinou a cabeça para o lado, ouvindo com cuidado e atenção.
E depois de mais alguns minutos de paciência, os sons baixos, românticos, foram repentinamente interrompidos.
— Quantos?
A voz estava abafada pela distância, mas ainda era audível e clara. E podia reconhecê-la. Aguda, quase um trinado. Como a de uma menina mimada.
— Vinte e dois — Riley respondeu em tom orgulhoso.
Diego e eu trocamos um olhar penetrante. Éramos vinte e dois na última contagem. Deviam estar falando sobre nós.
— Pensei ter perdido mais dois para o sol, mas um dos meus garotos mais velhos é... obediente — Riley prosseguiu.
Havia quase um toque de afeto em sua voz quando ele se referiu a Diego como um de seus garotos.
— Ele tem um lugar, um esconderijo subterrâneo, e se escondeu com a mais nova.
— Tem certeza?
Houve uma longa pausa, dessa vez sem sons de romance. Mesmo de longe, eu acreditava poder sentir alguma tensão.
— Sim, ele é um bom garoto. Tenho certeza.
Outra pausa tensa. Eu não conseguia entender sua pergunta. O que ela queria dizer com tem certeza? Será que ela achava que ele ouvira a história de alguém, que não vira Diego pessoalmente?
— Vinte e dois é um bom número — ela murmurou, e a tensão pareceu se dissolver. — Como o comportamento deles está evoluindo? Alguns têm quase um ano de idade. Ainda seguem os padrões normais?
— Sim — respondeu Riley. — Tudo o que me disse para fazer funcionou impecavelmente. Eles não pensam, simplesmente agem como já estão acostumados. Sempre consigo distraí-los com a sede. Isso os mantém sob controle.
Eu franzi a testa para Diego. Riley não queria que pensássemos. Por quê?
— Você trabalhou muito bem — nossa criadora elogiou, e depois ouvimos outro beijo. — Vinte e dois!
— Chegou a hora? — Riley perguntou ansioso.
A resposta foi rápida e contundente como uma bofetada.
— Não! Ainda não decidi quando.
— Não entendo.
— Não precisa entender. É suficiente que saiba que nossos inimigos têm grandes poderes. Todo o cuidado é pouco. — A voz dela ficou suave, tornou-se outra vez melosa. — Mas os vinte e dois ainda estão vivos. Mesmo tudo o que eles são capazes de fazer... que efeito terá contra vinte e dois? — Ela deixou escapar uma risadinha que parecia sinos tilintando.
Diego e eu não paramos de nos olhar durante todo esse tempo, e agora eu podia ver em seus olhos que pensávamos a mesma coisa. Sim, fomos criados com um propósito, como imaginávamos. Tínhamos um inimigo. Ou nossa criadora tinha um inimigo. A distinção era importante?
— Decisões, decisões — ela murmurou. — Ainda não. Talvez alguns mais, só para ter certeza.
— Alguns mais podem, no final, reduzir nosso número — Riley preveniu hesitante, como se tomasse cuidado para não aborrecê-la. — Há sempre uma instabilidade quando um novo grupo é introduzido.
— É verdade — ela concordou, e eu imaginei Riley suspirando aliviado por não tê-la irritado.
De repente, Diego desviou os olhos dos meus, olhando para a campina. Eu não havia escutado nenhum movimento na casa, mas ela podia ter saído. Girei a cabeça e no mesmo instante o restante de mim ficou paralisado como uma estátua. E vi o que havia assustado Diego.
Quatro figuras atravessavam o campo aberto, caminhando na direção da casa. Haviam entrado na clareira vindos do oeste, o ponto mais afastado de onde nos escondíamos. Todos usavam longos mantos escuros com capuz, por isso minha primeira impressão foi de que eram humanos. Pessoas estranhas, mas ainda assim, apenas humanos, porque nenhum dos vampiros que eu conhecia usava aquelas roupas góticas e combinadas. E nenhum se movia de um jeito tão suave e controlado, tão... elegante. Foi quando percebi que nenhum dos humanos que eu já vira seria capaz de se deslocar daquela maneira, e mais: nenhum poderia se deslocar tão silenciosamente. Os mantos escuros deslizavam sobre a relva em absoluto silêncio. Então, ou aquelas criaturas eram vampiros ou eram alguma outra coisa sobrenatural. Fantasmas, talvez. Mas, se eram vampiros, eram vampiros que eu não conhecia, e isso significava que poderiam ser os inimigos de quem ela estava falando. Nesse caso, precisávamos sair dali imediatamente, porque não tínhamos outros vinte vampiros do nosso lado no momento.
Quase fugi naquele instante, mas tive muito medo de chamar a atenção das criaturas misteriosas.
Então os observei se movendo suavemente, e notei outros detalhes. Eles se mantinham numa formação perfeita, a forma de um diamante, que nunca desalinhava, por mais que o terreno mudasse sob seus pés. O que representava a ponta do diamante era menor que os outros, e seu manto era mais escuro. Eles não pareciam seguir nenhum rastro, nenhum cheiro, nenhuma pista. Simplesmente conheciam o caminho. Talvez fossem convidados.
O grupo se movia diretamente para a casa, e eu senti que era seguro respirar novamente quando começaram a subir a escada que levava à porta. Pelo menos não caminhavam na nossa direção, minha e de Diego. Quando sumissem de vista, poderíamos desaparecer por entre as árvores, protegidos pelo som da próxima brisa, e jamais saberiam que havíamos estado ali.
Olhei para Diego e virei a cabeça sutilmente na direção de onde viéramos. Ele estreitou os olhos e levantou um dedo. Ah, ótimo, ele queria ficar. Revirei os olhos. Apesar de todo o medo, me surpreendi por ainda conseguir ser sarcástica.
Olhamos novamente para a casa. Os seres encobertos por mantos haviam entrado silenciosamente, mas percebi que ela e Riley não falaram mais nada desde que notamos a chegada dos visitantes. Deviam ter escutado alguma coisa ou de algum modo percebido que estavam em perigo.
— Não se incomodem — uma voz muito clara e monótona ordenou preguiçosamente. Não era uma voz tão aguda quanto a da nossa criadora, mas ainda soava infantil aos meus ouvidos. — Creio que sabem quem somos, por isso deve saber também que é inútil tentar nos surpreender. Ou se esconder. Ou lutar. Ou fugir.
Uma risada masculina e profunda que não pertencia a Riley ecoou ameaçadora pela casa.
— Relaxem — instruiu a primeira voz sem entonação, a menina sob o manto. A voz tinha aquela característica distintiva que me fez ter certeza de que ela era uma vampira, não um fantasma ou outro tipo de pesadelo. — Não viemos para destruir vocês. Ainda.
Houve um momento de silêncio, e depois alguns movimentos que quase não se podia ouvir. Uma mudança de posições.
— Se não está aqui para nos matar, então... o que quer? — perguntou nossa criadora, tensa e estridente.
— Queremos saber quais são suas intenções. Especificamente, se envolvem... um certo clã local — a garota com o manto explicou. — Estamos imaginando se eles têm algo a ver com a confusão que vocês criaram aqui. Criaram ilegalmente.
Diego e eu franzimos a testa ao mesmo tempo. Nada daquilo fazia sentido, mas a última parte era a mais estranha. O que podia ser ilegal para vampiros? Que policial, que juiz, que prisão teria algum poder sobre nós?
— Sim — sibilou nossa criadora. — Meus planos visam exclusivamente a eles. Mas ainda não podemos agir. É complicado. — Uma nota petulante vibrou em sua voz no final da frase.
— Acredite, conhecemos as dificuldades melhor que você. É impressionante que tenha conseguido se manter fora do radar, digamos, por todo esse tempo. Diga — um certo interesse coloriu a monotonia da voz —, como tem feito isso?
Nossa criadora hesitou e depois falou tudo de uma vez, rapidamente, quase como se sob alguma intimidação silenciosa.
— Eu ainda não decidi — ela revelou. Depois acrescentou mais lentamente, relutante. — Atacar. Não decidi fazer algo com eles.
— Grosseira, mas direta — a menina do manto disse. — Infelizmente, seu período de deliberação chegou ao fim. Você precisa decidir, agora, o que vai fazer com seu pequeno exército. — Diego e eu arregalamos os olhos ao ouvir essa declaração. — Caso contrário, será nosso dever puni-la como exige a lei. Esse adiamento, mesmo breve, é um problema para mim. Não é assim que atuamos. Sugiro que nos dê todas as garantias que puder... e depressa.
— Vamos agir imediatamente! — Riley manifestou-se ansioso, e houve um chiado imediato e agudo, como o sibilar de uma serpente.
— Vamos agir assim que for possível — nossa criadora o corrigiu, furiosa. — Há muito por fazer. Imagino que queira nosso sucesso. Então, preciso de algum tempo para treiná-los... orientá-los... alimentá-los!
Houve uma pausa breve.
— Cinco dias. Voltaremos em cinco dias. E não há pedra sob a qual poderá se esconder ou velocidade na qual poderá fugir para se salvar. Se não tiver atacado quando voltarmos, você vai queimar.
A declaração não continha ameaça além da mais absoluta certeza.
— E se eu já tiver atacado? — nossa criadora perguntou abalada.
— Veremos — respondeu a garota com o manto, adotando um tom mais animado do que o que usara até então. — Suponho que tudo dependa de seu grau de sucesso. Trabalhe e se esforce para nos agradar.
A última ordem foi dada num tom neutro, duro, e essa nota de frieza me deu arrepios.
— Sim — nossa criadora grunhiu.
— Sim — Riley repetiu num sussurro.
Um segundo depois os vampiros cobertos por mantos deixavam a casa silenciosamente. Diego e eu nem respiramos nos cinco minutos seguintes ao desaparecimento do grupo. Dentro da casa, nossa criadora e Riley estavam igualmente quietos. Outros dez minutos transcorreram em total imobilidade.
Toquei o braço de Diego. Era nossa chance de sair dali. Naquele momento, eu não estava mais com tanto medo de Riley. Queria era me afastar o máximo possível daqueles mantos escuros. Queria a segurança da vantagem numérica, que esperava por nós na cabana, e imaginava que nossa criadora sentia exatamente o mesmo. Por que, em primeiro lugar, ela havia criado tantos de nós? Havia nisso algo mais assustador do que eu havia pensado.
Diego hesitou, ainda ouvindo, e um segundo depois sua paciência foi recompensada.
— Bem — ela sussurrou dentro da casa —, agora eles sabem.
Ela se referia aos de manto escuro ou ao clã misterioso? Qual deles era o inimigo que ela havia mencionado antes do drama?
— Isso não importa. Estamos em maior número...
— Qualquer aviso importa! — ela grunhiu, interrompendo o discurso de Riley. — Há muito por fazer. Só cinco dias! — Ela gemeu. — Chega de confusão. Você começa esta noite.
— Não vou desapontá-la! — Riley prometeu.
Droga. Diego e eu nos movemos ao mesmo tempo, saltando do nosso galho para a árvore vizinha, voando de volta pelo mesmo caminho que havíamos percorrido até ali. Agora Riley tinha pressa, e se encontrasse o rastro de Diego depois de tudo que acabara de acontecer com os dos mantos, e nenhum Diego no fim da trilha...
— Preciso voltar e ficar esperando — Diego cochichou enquanto corríamos. — Sorte que o ponto não dá vista para a casa. Não quero que ele saiba que eu ouvi.
— Precisamos conversar com ele juntos.
— É tarde demais para isso. Ele perceberia que não há rastro de seu cheiro. Vai parecer suspeito.
— Diego... — Ele não me deixou terminar.
Estávamos novamente no ponto onde ele se juntara a mim. Ele agora sussurrava.
— Siga o plano, Bree. Direi a ele o que planejei. Ainda não estamos perto do amanhecer, mas vai ter que ser assim. Se ele não acreditar em mim... — Diego encolheu os ombros. — Ele agora tem outras coisas com que se preocupar, coisas mais importantes que a minha imaginação fértil. Talvez esteja mais propenso a ouvir agora. Parece que precisaremos de toda ajuda que conseguirmos, e poder andar por aí à luz do dia não será nada mal.
— Diego... — repeti, sem saber o que mais poderia dizer.
Ele olhou nos meus olhos, e eu esperei que seus lábios se abrissem naquele sorriso fácil, que ele fizesse alguma piada sobre ninjas ou melhores amigos para sempre.
Ele não fez. Nem sorriu. Em vez disso, inclinou-se lentamente, sem desviar os olhos dos meus, e me beijou. Os lábios lisos encontraram os meus por um longo segundo enquanto nos olhávamos.
Depois ele recuou e suspirou.
— Vá para a casa, esconda-se atrás de Fred e aja como se não soubesse de nada. Eu vou logo depois de você.
— Tome cuidado.
Segurei a mão dele e a apertei com força, depois soltei. Riley havia falado sobre Diego com carinho. Eu só podia esperar que esse afeto fosse verdadeiro. Não havia escolha.
Diego desapareceu entre as árvores, silencioso como uma brisa amena. Eu não perdi tempo tentando acompanhá-lo com os olhos. Parti imediatamente, correndo pelos galhos em linha reta de volta para a casa. Esperava que meus olhos ainda estivessem suficientemente brilhantes da refeição da noite anterior para explicar minha ausência. Só uma caçada rápida. Tive sorte... encontrei um andarilho solitário. Nada demais.
O som da música retumbante que ouvi ao me aproximar era acompanhado pelo cheiro inconfundível, doce, e pela fumaça de um vampiro incinerado. Meu pânico se multiplicou. Dentro ou fora da casa, eu poderia morrer com a mesma facilidade. Mas não havia outro jeito. Não desacelerei, simplesmente desci a escada correndo e fui diretamente para o canto onde sentia a presença de Freaky Fred, embora não pudesse olhar diretamente para lá. Ele estava em pé. Estava procurando alguma coisa para fazer? Cansara de ficar sentado? Eu não tinha ideia do que ele tramava, nem queria saber. Ficaria bem perto dele até Riley e Diego voltarem.
No meio do porão havia uma pilha fumegante grande demais para ser só um braço ou uma perna. Os vinte e dois de Riley eram coisa do passado.
Ninguém parecia muito preocupado com a fogueira. A imagem era muito comum.
Corri para perto de Fred, e pela primeira vez a sensação de repulsa não aumentou. Pelo contrário, ela desapareceu. Ele não parecia notar minha presença; simplesmente continuou lendo o livro que segurava. Um dos que eu deixara para ele alguns dias antes. Não foi difícil ver o que ele fazia agora que estava perto do encosto do sofá no qual ele se apoiava. Hesitei, tentando entender por quê. Ele podia ligar e desligar o efeito náusea quando queria? Isso significava que nós dois estávamos desprotegidos agora? Pelo menos Raoul ainda não chegara em casa, felizmente, embora Kevin estivesse ali.
Pela primeira vez, vi como Fred realmente era. Alto, mais de 1,80 metro, o cabelo encaracolado e louro que eu havia notado antes. Tinha ombros largos e era musculoso. Parecia mais velho que a maioria dos outros — como um universitário, não um colegial. E — por alguma razão essa foi a parte que mais me surpreendeu — ele era bonito. Tão bonito quanto qualquer outro, talvez até mais que muitos ali. Eu não sabia por que isso me parecia estranho. Talvez por sempre ter associado Fred a repulsa.
Eu me senti esquisita por ficar observando-o. Olhei rapidamente em volta para ver se alguém no porão notara que Fred estava normal — e bonito — temporariamente. Ninguém olhava na nossa direção. Dei uma espiada rápida em Kevin, pronta para desviar o olhar rapidamente caso ele percebesse, mas ele estava concentrado em algum ponto à nossa esquerda. A testa estava marcada por uma ruga. Antes que eu pudesse desviar, seus olhos passaram direto por mim e se detiveram à minha direita. A ruga tornou-se mais profunda. Como... se ele estivesse tentando me ver e não conseguisse.
Senti os cantos da minha boca tremerem, e não era exatamente um sorriso. Havia muito com que me preocupar para poder me divertir de verdade com a cegueira de Kevin. Olhei novamente para Fred, imaginando se o fator repulsa retornaria, mas ele sorria para mim. Ele era simplesmente espetacular sorrindo.
Então o momento passou, e Fred voltou ao livro. Eu não me movi por um tempo, esperando que algo acontecesse. Diego passar pela porta. Ou Riley e Diego. Ou Raoul. Ou a náusea voltar, ou Kevin olhar diretamente para mim, ou a próxima briga explodir. Qualquer coisa.
Quando nada aconteceu, finalmente me recompus e fiz o que devia estar fazendo: fingi que não havia nada de anormal. Peguei um livro da pilha perto do pé de Fred e me sentei ali mesmo, fingindo que lia. Devia ser um dos livros que eu fingira ler no dia anterior, mas não parecia familiar. Virei algumas páginas, novamente sem apreender nada do conteúdo.
Minha mente girava em círculos muito pequenos. Onde estava Diego? Como Riley reagira a sua história? O que tudo aquilo significava — a conversa antes de os vampiros vestidos com mantos chegarem, a conversa depois da saída deles?
Examinei todas as lembranças, voltando no tempo, tentando unir os fragmentos em um todo reconhecível. O mundo dos vampiros tinha algum tipo de polícia, e ela era bem assustadora. Nosso grupo selvagem de vampiros com meses de idade seria um exército, e esse exército era, de alguma forma, ilegal. Nossa criadora tinha um inimigo. Ou melhor, dois inimigos. E nós atacaríamos um deles em cinco dias, ou os outros, com os mantos assustadores, a atacariam — ou nos atacariam, ou os dois. Seríamos treinados para esse ataque... assim que Riley voltasse. Dei uma olhada para a porta, depois me obriguei a manter os olhos fixados na página diante de mim. E na história dos visitantes. Ela estava preocupada com alguma decisão. Estava satisfeita por ter tantos vampiros — tantos soldados. Riley estava feliz por Diego e eu termos sobrevivido... Ele dissera que pensara ter perdido mais dois para o sol, então, isso devia significar que ele não sabia como os vampiros realmente reagiam ao sol. Mas o que ela dissera era estranho. Ela perguntara se Riley tinha certeza. Certeza de que Diego sobrevivera? Ou... certeza de que a história de Diego era verdadeira?
Esse último pensamento me amedrontou. Ela já sabia que o sol não nos fazia mal? Se sabia, por que mentira para Riley e, por intermédio dele, para nós?
Por que ela haveria de nos querer no escuro — literalmente? Era muito importante para ela que continuássemos ignorantes?
Importante o bastante para que isso colocasse Diego em perigo? Eu me aproximava do pânico e já estava paralisada pelo medo. Se ainda pudesse suar, estaria suando. Tive de me concentrar para virar a página, para manter os olhos baixos.
Riley estava sendo enganado ou também estava envolvido naquilo? Quando dissera que havia pensado ter perdido mais dois para o sol, ele se referira ao sol literalmente... ou à mentira sobre o sol?
Se a segunda alternativa fosse a correta, então, saber a verdade seria equivalente a estar perdido. O pânico atrapalhava meus pensamentos.
Tentei ser racional e encontrar algum sentido naquilo. Era mais difícil sem Diego. Ter alguém com quem conversar, com quem interagir, havia aguçado minha capacidade de concentração. Sem isso, o medo rondava meus pensamentos, misturando-se à sede sempre presente. A sedução do sangue estava constantemente prestes a aflorar. Mesmo bem alimentada, eu podia sentir o ardor e a necessidade.
Pense nela, pense em Riley, disse a mim mesma. Precisava entender por que eles mentiriam — se estavam mentindo — para tentar deduzir o que o fato de Diego conhecer seu segredo significaria para eles.
Se não tivessem mentido, se tivessem simplesmente dito que o dia era para nós tão seguro quanto a noite, o que teria mudado? Imaginei como tudo seria se não precisássemos ficar confinados em um porão escuro o dia inteiro, se os vinte e um — talvez menos agora, dependendo de como os grupos de caça estavam se saindo lá fora — fossem livres para fazer o que quisessem quando quisessem.
Desejaríamos caçar. Isso era certo.
Se não tivéssemos de voltar, se não precisássemos nos esconder... bem, muitos de nós não voltariam com regularidade. Era difícil pensar em voltar quando a sede ainda estava no comando. Mas Riley incutira profundamente em todos nós a ameaça da conflagração, de revivermos aquela dor horrível que havíamos sentido uma vez. Essa era a razão pela qual conseguíamos nos conter. Autopreservação, o único instinto mais forte que a sede.
Então, a ameaça nos mantinha juntos. Havia outros esconderijos, como a caverna de Diego, mas quem mais pensaria nesse tipo de coisa? Tínhamos um lugar para onde ir, uma base, era para lá que íamos. Pensar com clareza não é a especialidade de um vampiro. Ou, pelo menos, não dos vampiros jovens. Riley pensava com clareza. Diego tinha pensamentos mais nítidos que os meus. Aqueles vampiros cobertos por mantos eram terrivelmente focados. Senti um arrepio. Então, a rotina não nos controlaria para sempre. O que eles fariam quando fôssemos mais velhos, mais racionais? Eu me dei conta de que ninguém era mais antigo que Riley. Todo mundo ali era novo. Ela precisava de muitos de nós para enfrentar o inimigo misterioso. Mas e depois?
Tive a forte sensação de que não iria querer estar por perto nesse momento. E de repente percebi algo absurdamente óbvio. A resposta que antes estivera rondando, às margens da minha compreensão, enquanto rastreava o bando de vampiros até aquela nova casa com Diego.
Eu não precisava ficar por perto para esse momento. Não precisava ficar por perto nem por mais uma noite.
Fiquei novamente paralisada ao pensar nessa ideia colossal.
Se Diego e eu não soubéssemos os destinos prováveis da gangue, nós os teríamos encontrado? Possivelmente, não. E aquele era um grupo grande deixando um rastro considerável. E se você fosse um vampiro solitário, um vampiro que não precisasse se mover por terra, que se deslocasse por cima das árvores, saltasse, progredisse sem deixar uma trilha na margem da água... Só um, ou talvez dois vampiros capazes de nadar até onde quisessem mar adentro, para longe... E que pudessem voltar à terra onde decidissem... Canadá, Califórnia, Chile, China...
Seria impossível encontrar esses dois vampiros. Eles desapareceriam. Sumiriam como se tivessem virado fumaça.
Não precisávamos ter voltado na outra noite. Não devíamos ter voltado! Por que eu não pensara nisso antes?
Mas... Diego teria concordado? De repente, eu não me sentia mais tão confiante. Será que Diego seria mais leal a Riley? Ele acharia que era seu dever ajudar Riley? Diego conhecia Riley havia muito mais tempo... e só nos conhecemos de verdade havia um dia. Ele era mais próximo de Riley que de mim?
Pensei nisso e franzi a testa.
Bem, eu descobriria assim que tivéssemos um minuto a sós. E então, talvez, se nosso clube secreto realmente tivesse alguma importância, não faria diferença o que nossa criadora planejara. Poderíamos desaparecer, e Riley teria de se arranjar com dezenove vampiros, ou criar outros rapidamente. De um jeito ou de outro, não seria problema nosso.
Eu mal podia esperar para contar meu plano a Diego. Tinha a intuição de que ele ia concordar comigo. Esperava que concordasse.
De repente, imaginei se não havia sido isso o que realmente acontecera a Shelly, Steve e os outros garotos que desapareceram. Eu sabia que eles não tinham queimado ao sol. Será que Riley só afirmou ter visto as cinzas dos desaparecidos como um artifício para nos manter com medo, dependentes dele? Para nos obrigar a voltar para casa e para ele a cada amanhecer? Talvez Shelly e Steve tivessem simplesmente ido embora sozinhos. Sem Raoul. Sem inimigos ou exércitos ameaçando seu futuro imediato.
Talvez fosse esse o verdadeiro significado do que Riley dissera sobre tê-los perdido para o sol. Fugitivos. E, nesse caso, ele ficara feliz por Diego não ter desertado também, certo?
Ah, se Diego e eu tivéssemos fugido! Estaríamos livres, como Shelly e Steve. Sem regras, sem medo do raiar do sol.
Mais uma vez, imaginei todos nós soltos, sem hora para voltar para casa. Podia até ver Diego e eu nos movendo como ninjas pelas sombras. Mas também podia ver Raoul, Kevin e os outros, monstros brilhantes como globos de luz no meio de uma rua movimentada no centro da cidade, os corpos se acumulando, a gritaria, os helicópteros sobrevoando a área, os policiais impotentes com suas balas patéticas que não causariam nem arranhões, as câmeras, o pânico que se alastraria tão depressa quanto as fotos, compartilhadas rapidamente mundo afora.
Vampiros não seriam um segredo por muito tempo. Nem mesmo Raoul conseguiria matar as pessoas rápido o bastante para impedir que a história se espalhasse.
Havia ali uma linha de raciocínio que eu tentava apreender antes de me distrair novamente.
Um: humanos não sabiam sobre a existência de vampiros. Dois: Riley nos incentivava a ser discretos, a não atrair a atenção dos humanos ou, do contrário, eles nos reconheceriam. Três: Diego e eu havíamos deduzido que todos os vampiros deviam seguir as mesmas diretrizes, ou o mundo inteiro saberia sobre nós. Quatro: devia haver uma razão para tudo ser mantido como era, e certamente não eram as armas inofensivas da polícia humana o que os motivava. Sim, a razão tinha de ser muito séria para obrigar todos os vampiros a se esconder o dia inteiro em porões abafados. Razão suficiente, talvez, para fazer Riley e nossa criadora mentirem para nós e nos aterrorizarem com o sol incinerador. Quem sabe Riley explicaria a razão a Diego, que, dada a importância daquilo e sendo ele tão responsável, prometeria guardar o segredo — e os dois se dariam por satisfeitos. Sem dúvida.
Mas e se o que havia acontecido a Shelly e Steve fosse o oposto? Eles tinham descoberto a história da pele brilhante, mas não fugiram? E se foram falar com Riley?
E, droga, isso destruía o elo seguinte na minha cadeia lógica. A linha de raciocínio se interrompeu e comecei a entrar em pânico outra vez, por causa de Diego.
O nervosismo aumentava, e percebi que tinha passado um bom tempo pensando. Podia sentir a manhã se aproximando. Não faltava mais que uma hora. Então, onde estava Diego? Onde estava Riley?
Eu ainda pensava nisso quando a porta se abriu e Raoul pulou os degraus da escada, rindo com os companheiros. Eu me encolhi e cheguei mais perto de Fred. Raoul não nos notou. Ele olhou para o vampiro torrado no meio do porão e riu ainda mais. Seus olhos estavam vermelhos e brilhantes.
Nas noites em que saía para caçar, Raoul raramente retornava antes que fosse absolutamente necessário. Ele continuava se alimentando enquanto desse. Então, o raiar do dia devia estar ainda mais próximo do que eu havia pensado.
Riley devia ter exigido que Diego provasse o que dizia. Essa era a única explicação. E eles esperaram pelo amanhecer. Mas... isso significava que Riley não sabia a verdade, que nossa criadora estava mentindo para ele também. Ou não? Meus pensamentos se confundiram outra vez.
Kristie apareceu minutos mais tarde com três de seus parceiros. Ela reagiu com indiferença à pilha de cinzas. Fiz uma contagem rápida quando mais dois caçadores passaram correndo pela porta.
Vinte vampiros. Todos estavam em casa, exceto Diego e Riley. O sol surgiria a qualquer momento.
A porta no topo da escada do porão rangeu quando alguém a empurrou. Eu me levantei de um salto.
Riley entrou. E fechou a porta. E desceu a escada.
Não havia ninguém com ele.
Antes que eu pudesse processar a informação, Riley gritou, um animalesco urro de raiva. Ele olhava para as cinzas no chão, os olhos tomados pela fúria. Todos ficaram em silêncio, imóveis. Já tínhamos visto Riley perder a calma, mas aquilo foi diferente.
Ele se virou e agarrou uma caixa de som que estava presa à parede, arremessando-a do outro lado da sala. Jen e Kristie se desviaram do objeto, que se despedaçou contra a parede, espalhando uma nuvem de cimento e gesso. Depois esmagou o aparelho de som com o pé, e o baixo retumbante foi calado. Ele então saltou para onde estava Raoul e o agarrou pelo pescoço.
— Eu nem estava aqui — Raoul gritou, apavorado.
Isso era algo que eu nunca havia visto antes.
Riley grunhiu hediondamente e arremessou Raoul como havia feito com a caixa de som. Jen e Kristie novamente saíram da rota do míssil. O corpo de Raoul atravessou a parede, abrindo ali um enorme buraco.
Riley agarrou Kevin pelo ombro e — com um ruído familiar — arrancou sua mão direita. Kevin gritou de dor e tentou escapar das garras de Riley, que o chutou na altura das costelas. Outro grito lancinante e Riley arrancou o que restava do braço de Kevin. Ele partiu o braço em dois, na altura do cotovelo, e atirou os pedaços no rosto angustiado de Kevin — o barulho foi como o de um martelo batendo em uma pedra.
— Qual é o problema com vocês? — Riley gritou para todos nós. — Por que são tão estúpidos? — Ele tentou agarrar o garoto louro fã do Homem-Aranha, mas ele saltou e conseguiu escapar. O salto o deixou bem perto de Fred, e ele pulou de volta para perto de Riley, sufocado pela ânsia de vômito.
— Algum de vocês tem cérebro?
Riley lançou um garoto chamado Dean na direção dos consoles dos games, destruindo tudo, depois pegou outra menina — Sara — e arrancou sua orelha esquerda e um punhado de cabelos. Ela rosnou agoniada.
De repente ficou óbvio que o que Riley estava fazendo era muito perigoso. Éramos muitos ali. Raoul já estava de volta. Kristie e Jen, normalmente suas inimigas, colocavam-se a seu lado em atitude defensiva. Alguns outros se uniam em grupos no espaço do porão.
Eu não entendi se Riley tinha percebido a ameaça ou se o acesso de fúria chegara naturalmente ao fim. Ele respirou fundo. Jogou a orelha e os cabelos de volta para Sara, que se encolheu com medo. Ela lambeu o pedaço de orelha — o próprio veneno faria com que ele se reintegrasse ao restante do corpo. Mas não havia solução para o cabelo arrancado; Sara teria uma pequena calvície permanente.
— Escutem bem! — Riley disse em voz baixa, mas firme. — A vida de todos nós depende de vocês ouvirem o que vou dizer agora e pensarem! Todos vamos morrer. Cada um de nós, vocês e eu também, se não forem capazes de agir como se tivessem cérebro. Só por alguns dias!
O discurso não tinha nenhuma semelhança com suas habituais pregações e tentativas de nos controlar. Definitivamente, ele conseguira atrair a atenção de todos.
— É hora de crescer e assumir responsabilidades. Acham que vão viver desse jeito de graça? Acham que todo o sangue de Seattle não tem um preço?
Os pequenos grupos de vampiros já não pareciam ameaçadores. Todos estavam assustados, alguns trocavam olhares perplexos. Pelo canto do olho, vi que Fred virou o rosto para mim, mas não o encarei. Minha atenção estava focada em duas coisas: Riley, para o caso de ele começar a atacar novamente, e a porta. A porta, que continuava fechada.
— Estão me ouvindo agora? Estão ouvindo de verdade? — Riley fez uma pausa, mas ninguém respondeu. A sala estava absolutamente quieta. — Vou explicar o sistema precário em que todos vocês estão inseridos. Vou tentar falar de modo bem simples, para os mais estúpidos acompanharem. Raoul, Kristie, venham aqui.
Riley chamou os líderes das duas maiores gangues, naquele breve momento aliados contra ele. Nenhum dos dois atendeu ao
chamado. Em vez disso, se prepararam para um confronto, Kristie mostrando os dentes.
Esperei que Riley retrocedesse, que se desculpasse. Para acalmá-los e depois convencê-los a fazer o que ele queria. Mas aquele era um Riley diferente.
— Muito bem — ele disse. — Vamos precisar de líderes para garantir nossa sobrevivência, mas vejo que nenhum dos dois está preparado para a tarefa. Pensei que tivessem aptidão para liderar. Estava enganado. Kevin, Jen, por favor, juntem-se a mim como chefes dessa equipe.
Kevin levantou a cabeça perplexo. Ele havia acabado de pôr o braço de volta no lugar. Embora cautelosa, sua expressão também revelava evidente satisfação. Ele se levantou devagar. Jen olhou para Kristie como se esperasse sua permissão. Raoul rangeu os dentes.
A porta no alto da escada continuava fechada.
— Também não é capaz? — Riley perguntou irritado.
Kevin deu um passo na direção de Riley, mas Raoul adiantou-se a ele, atravessando o porão com dois saltos fabulosos, embora baixos. Ele jogou Kevin contra a parede sem dizer uma única palavra e assumiu a posição atrás de Riley, à direita.
Riley se permitiu um sorriso contido. A manipulação não fora sutil, mas acabou sendo eficiente.
— Kristie ou Jen, quem vai liderar? — Riley perguntou, parecendo gostar daquilo.
Jen ainda esperava por um sinal de Kristie quanto ao que deveria fazer. Kristie a encarou por um instante, depois afastou do rosto os cabelos claros e lançou-se como um raio para ocupar o posto à esquerda de Riley.
— Essa decisão foi muito demorada — Riley disse num tom sério. — Não temos o luxo do tempo. Não podemos mais ficar por aí brincando. Deixei vocês fazerem praticamente tudo o que quiseram, mas isso acaba hoje. Esta noite.
Ele olhou em volta, encarando cada um de nós, certificando-se de que o escutávamos. Na minha vez, sustentei seu olhar apenas por um segundo e depois meus olhos escorregaram para a porta. Corrigi o deslize imediatamente, mas Riley já não me olhava. Eu me perguntei se ele havia notado o lapso. Ou mesmo se havia me visto, já que eu estava ao lado de Fred.
— Temos um inimigo — Riley anunciou.
Ele deixou que a notícia pairasse no ar por um instante.
Eu podia notar que a informação foi um choque para vários vampiros ali no porão. O inimigo era Raoul, ou, para os partidários de Raoul, o inimigo era Kristie. O inimigo estava ali, porque o mundo todo estava ali. A ideia de que lá fora havia outras forças suficientemente poderosas para nos afetar era nova para a maioria. E até o dia anterior, também teria sido nova para mim.
— Alguns de vocês talvez tenham sido suficientemente espertos para terem notado que, se existimos, outros vampiros também existem. Vampiros mais velhos, mais inteligentes... mais talentosos. Outros vampiros que querem nosso sangue!
Raoul sibilou, e vários de seus seguidores o imitaram numa demonstração de apoio.
— Exatamente — Riley confirmou, aparentemente com a intenção de inflamá-los. — Seattle já pertenceu a eles, mas esses vampiros se mudaram há muito tempo. Agora sabem sobre nós, e estão com inveja do sangue fácil que costumavam ter por aqui. Sabem que o território agora é nosso, mas querem tomá-lo de volta. E estão vindo buscar o que querem. Um a um, eles vão nos caçar! Vamos queimar enquanto eles se banqueteiam!
— Nunca! — Kristie rosnou.
Alguns de seus seguidores fizeram o mesmo, e outros da gangue de Raoul também.
— Não temos muitas opções — Riley nos disse. — Se esperarmos aqui, eles terão a vantagem. Afinal, estamos em um território conhecido pelo inimigo. E eles não querem um confronto direto, porque estamos em maior número e somos mais fortes. Querem nos pegar separadamente; querem tirar proveito da nossa maior fraqueza. Algum de vocês tem inteligência suficiente para saber qual é?
Ele apontou para as cinzas no chão, agora espalhadas pelo tapete e impossíveis de reconhecer como um ex-vampiro, e esperou.
Ninguém se mexeu.
Riley soltou um ruído de contrariedade.
— União! — ele gritou. — Não temos nenhuma! Que tipo de ameaça podemos oferecer se não paramos de nos matar? — Ele chutou as cinzas, levantando uma pequena nuvem negra. — Podem imaginar como vão rir de nós? Já estão certos de que vai ser fácil tomar a cidade que agora é nossa. Acreditam que somos fracos porque somos estúpidos! Que vamos simplesmente entregar nosso sangue.
Metade dos vampiros rosnava, protestando.
— São capazes de trabalhar juntos? Ou vamos todos morrer?
— Podemos acabar com eles, chefe. — Raoul grunhiu.
Riley o encarou furioso.
— Não se não conseguirem se controlar! Não se não puderem cooperar com cada pessoa nesta sala. Qualquer um que eliminarem — ele chutou as cinzas mais uma vez — pode ser aquele que o teria mantido vivo. Cada vez que matam alguém do próprio bando, estão dando um valioso presente ao inimigo. Estão dizendo: Aqui, venha me matar!
Kristie e Raoul se olharam como se estivessem se vendo pela primeira vez. Outros faziam o mesmo. A palavra bando não era desconhecida, claro, mas nenhum de nós a aplicara antes ao nosso grupo.
— Vou falar um pouco sobre os nossos inimigos — disse Riley, e todos os olhos se fixaram nele. — Eles são um bando muito mais antigo que o nosso. Estão por aí há centenas de anos e sobrevivem há tanto tempo por uma razão. São astutos e talentosos e virão retomar Seattle confiantes, porque ouviram dizer que os únicos adversários que terão nessa retomada são um bando de crianças desorganizadas que farão metade do trabalho por eles!
Mais grunhidos, mas alguns eram menos furiosos que cautelosos. Alguns dos vampiros mais quietos, os que Riley teria chamado de mais domesticados, pareciam nervosos.
E Riley também percebeu esse nervosismo.
— É assim que eles nos veem, mas isso porque não conseguem nos ver juntos. Juntos, podemos destruí-los. Se eles pudessem ver todos nós, lado a lado, lutando juntos, ficariam aterrorizados. E é assim que nos verão. Porque não vamos esperar que eles apareçam aqui e se lancem ao ataque. Vamos pegá-los numa emboscada. Em quatro dias.
Quatro dias? Não achava que nossa criadora fosse querer agir tão perto do prazo final. Olhei novamente para a porta fechada. Onde estaria Diego?
Outros reagiram com surpresa ao prazo anunciado, alguns com medo.
— Essa é a última coisa pela qual eles vão esperar — Riley nos garantiu — Todos nós, juntos, prontos para enfrentá-los. E deixei a melhor parte para o final. Eles são apenas sete.
Houve um instante de silêncio incrédulo.
Raoul foi o primeiro a reagir:
— O quê?
Kristie olhava para Riley com a mesma incredulidade, e ouvi sussurros pelo porão.
— Sete?
— Está brincando?
— Ei! — Riley disparou, firme. — Eu não estava brincando quando disse que esse bando é perigoso. Eles são inteligentes e... diabólicos. Dissimulados. Teremos a força do nosso lado; eles terão a sagacidade. Se jogarmos do jeito deles, eles serão os vencedores. Mas se os enfrentarmos nos nossos termos... — Riley não terminou a frase, apenas sorriu.
— Vamos agora — Raoul propôs. — Vamos tirá-los logo de cena.
Kevin rosnou entusiasmado, apoiando a sugestão.
— Devagar, idiota. Apressar as coisas e agir sem planejamento não vai nos ajudar a vencer — Riley retrucou.
— Conte tudo o que precisamos saber sobre eles — Kristie pediu, lançando para Raoul um olhar de superioridade.
Riley hesitou, como se estivesse escolhendo as palavras.
— Muito bem, por onde começo? Acho que a primeira coisa que precisam saber é que... vocês ainda não sabem tudo que há para saber sobre vampiros. Não quis assustá-los no começo com tanta informação. — Outra pausa. Todos pareciam confusos. — Vocês têm um pouco de experiência com o que chamamos de “talentos”. Temos Fred.
Todos olharam para Fred — ou tentaram olhar. Pela expressão de Riley, eu podia dizer que Fred não gostava nada de ser apontado como exemplo. A impressão era de que ele elevara realmente à potência máxima seu “talento”, como Riley chamava. Riley se encolheu e desviou os olhos rapidamente. Eu ainda não sentia nada.
— Sim, existem alguns vampiros que têm dons além da força incomum e dos sentidos aguçados. Vocês viram um exemplo disso em... no nosso bando. — Ele tomou o cuidado de não repetir o nome de Fred. — Os dotados de talentos especiais são raros, um em cinquenta, talvez, mas cada um é diferente. Há uma vasta gama de talentos por aí, e alguns são mais poderosos que outros.
Eu ouvia agora vários murmúrios, pessoas imaginando se podiam ser talentosas. Raoul inflava o peito como se já houvesse decidido que tinha algum talento. Até eu podia perceber que o único por ali que se enquadrava naquela categoria especial estava bem ao meu lado.
— Prestem atenção! — Riley exigiu. — Não estou aqui falando isso tudo para vocês se distraírem.
— Esse bando inimigo — interveio Kristie —, eles têm talentos, certo?
Riley respondeu com um movimento afirmativo de cabeça.
— Exatamente. Fico feliz por alguém aqui conseguir ligar os pontos.
Raoul retraiu o lábio superior, mostrando os dentes.
— Esse bando é perigosamente talentoso — Riley continuou, baixando um pouco a voz. — Há entre eles alguém que lê mentes. — Ele examinou o rosto de cada um de nós, tentando identificar se compreendíamos a importância dessa revelação. E não parecia satisfeito com o que via. — Pensem, garotos! Essa criatura vai saber tudo o que vocês têm em mente. Se atacarem, ele vai saber que movimento farão antes que vocês se movam. Se forem para a esquerda, ele estará esperando.
Houve um silêncio nervoso enquanto todos imaginavam a situação.
— É por isso que temos sido tão cuidadosos, eu e aquela que os criou.
Kristie deu um passo para longe de Riley quando ele a mencionou. Raoul parecia mais furioso. Todos estavam nervosos.
— Vocês não sabem o nome dela e não sabem como ela é. Isso nos protege. Se eles encontrassem um de vocês sozinho, não perceberiam a ligação com ela e poderiam deixá-lo seguir seu caminho em paz. Porém, se soubessem que vocês fazem parte do bando, a execução seria rápida.
Isso não fazia sentido para mim. O segredo não a protegia mais do que protegia qualquer um de nós? Riley continuou depressa antes que tivéssemos tempo de analisar essa afirmação.
— É claro, agora não importa, agora que eles decidiram vir para Seattle. Vamos surpreendê-los quando se aproximarem daqui, e vamos acabar com eles. — Ele silvou, uma única nota baixa por entre os dentes. — Pronto. E então não só essa cidade será nossa, como outros bandos saberão que não é bom se meter conosco. Não teremos mais que tomar tanto cuidado para encobrir nossos rastros. Todo mundo vai ter todo o sangue que quiser. Vamos caçar todas as noites. Vamos nos mudar para a cidade e vamos governá-la.
Os grunhidos e rosnados eram como aplausos. Todos o apoiavam. Exceto eu. Eu não me movi, não emiti nenhum som. Fred também não, mas por que seria?
Eu não apoiava Riley porque suas promessas soavam como mentiras. Ou toda a minha linha de raciocínio estava errada. Riley dizia que só o que nos impedia de caçar sem cautela ou contenção eram aqueles inimigos. Mas isso não batia com o fato de que todos os outros vampiros deviam ser muito discretos, ou os humanos já saberiam de sua existência há muito tempo.
Eu não conseguia me concentrar na solução desse enigma, porque a porta no alto da escada continuava fechada. Diego...
— Mas precisamos agir juntos. Hoje vou ensinar a vocês algumas técnicas. Técnicas de luta. É mais complicado que rolar no chão como crianças pequenas. Quando escurecer, vamos sair para treinar. Quero que treinem duro, mas mantenham o foco. Não posso perder mais nenhum membro desse bando! Precisamos uns dos outros, cada um de nós. Não vou tolerar mais nenhuma estupidez. Se acham que não precisam me ouvir, estão errados. — Ele parou por um segundo, os músculos compondo uma expressão diferente. — E vão descobrir quanto estão enganados quando eu os levar até ela. — Eu estremeci e senti o arrepio percorrer todos no porão. — Vou segurá-los enquanto ela arranca suas pernas e depois, lentamente, muito lentamente, queima seus dedos, orelhas, lábios, língua e todos os outros apêndices supérfluos, um a um.
Todos já havíamos perdido um membro, no mínimo, e todos havíamos queimado quando transformados em vampiros, por isso podíamos imaginar com facilidade qual seria a sensação, mas o mais aterrorizante não era a ameaça. O que realmente causava medo era a expressão de Riley enquanto descrevia a cena. O rosto não estava contorcido pela raiva, como costumava acontecer quando ele se irritava; sua expressão era calma, fria, suave, linda, a boca distendida em um sorriso sutil. De repente, tive a impressão de que aquele era um novo Riley. Algo mudara nele, se tornara mais severo, mas eu não conseguia imaginar o que poderia ter acontecido em uma noite para criar aquele sorriso cruel, perfeito.

Um comentário:

Sara disse...

eu ja li esse livro. Comprei ele esses dias e é muito bom,mesmo ja sabendo o que ia acontecer com a Bree a leitura me prendeu do inicio ao fim. seguindo gata, quando puder passa la no meu blog. Bjs
http://f-rescurinhas.blogspot.com